9 de mai. de 2010

Mãe é tudo de bom.

Um belo dia descobri que estava grávida. Acho que o meu principal sentimento foi o medo (muito medo) de não dar conta de criar um filho, medo de não ser mais amada, medo de como vai ficar o corpo depois desta grande aventura e a certeza de que o vínculo é eterno. Durante as primeiras horas fiquei muito confusa,   não sabia o que faria nem que futuro esperar, mas no final do dia a ideia de um filho já estava inserida em mim e as "passadas de mão" na barriga (características de toda grávida), mesmo sem aparecer barriguinha já faziam parte dos meus gestos diários.
O caminho é longo (9 meses), o peso do corpo aumenta, a gente fica naturalmente mais lenta, anda devagar, jogando o corpo de um lado para o outro durante a caminhada e no finalzinho da gravidez a gente quase não anda mais, o corpo não aguenta o peso, engordamos uma média de 12 a 16 quilos (foi o que engordei nas duas gestações).
Todos cuidam um pouquinho de nós, todos tentam fazer com que nos sintamos bem, pois os incômodos são muitos, falta de ar, bexiga cheia, uma vontade de fazer xixi o tempo todo e com o corpão pesado chegar no banheiro rápido se torna uma verdadeira saga. Até que chega o grande momento. Maternidade.
Tudo já estava pronto, malas, carro, roupa reservada pra sair correndo se precisar, fraldas, roupinhas de bebê, chinelos, ufa...tudo tem que estar pronto para o grande momento.
A enfermeira me preparou depilando onde precisava (lá mesmo), colocando soro, me vestindo com aquele avental azul (confesso que nesta parte eu fiquei muito tensa, fiquei com medo) e me levou para a sala de cirurgia (o medo aumentava). Tomei a raque, aquela "injeçãozinha" dada na medula espinhal pra gente não sentir dores na hora do nascer (no meu caso fiz duas cesarianas sendo que na segunda, a diaba da raque não "pegava" e o anestesista tentava de novo. Foram umas cinco picadas até "pegar". E dói hem). Deitei na mesa de cirurgia e fiquei observando os movimentos dos médicos, eles vão pra lá, vão pra cá, conversam, dão risadas, contam piadas, comentam do churrasco que fizeram e eu lá, tensa, muito tensa observando as reações e fisionomias dos médicos pra saber se estava tudo bem comigo e com o bebezinho que estava a caminho. O grande momento chega. Mesmo anestesiadas e sem nenhuma sensibilidade na parte inferior do corpo percebia tudo que estava sendo feito,. Sentia a médica puxando e ajeitando o neném pra tirá-lo da minha barriga. Neste momento eu estava meio grogue, ria bastante (imagina eu rindo e a médica tentando me operar) mas ria de nervoso, até que a médica me disse: - Seu bebê tem bastante cabelo, estou vendo. Depois de puxar mais um pouquinho ela saiu, linda, de olhinhos abertos, magrinha e muito cabeluda. Naquele momento eu olhei pra ela e ela olhou pra mim. Que lembrança linda tenho desta hora. Ela tinha uma fitinha rosa no cabelo que as enfermeiras colocaram. Foi amor a primeira vista. Me apaixonei de forma definitiva sentindo a posse de filho que todas as mães tem; é MEU. Minha Maria Julia, cabelos claros cacheados, olhos verdes, linda.
Seis anos depois ganhei meu outro filho e neste período fazia graduação. Frequentei a faculdade até uma semana antes do Gustavo nascer. Não foi fácil. Ia com o ônibus dos estudantes do município. Confesso que eu ria de casa até a facul. Os estudantes eram muito divertidos e cuidavam demais de mim. Como estava muito gorda, saia da sala faltando uns quinze minutos pra acabar a aula, senão não dava tempo de chegar até o ponto, se bem que sempre me esperavam. O motorista (Polaco) tinha muita paciência de me esperar chegar.
Ganhei o Gu no dia 29 de novembro de 2007. Ele parece um indiozinho, moreno como eu, olhos castanhos rasgadinho e cabelinho liso bem escuro (na maternidade quando ele nasceu era bem branquinho de cabelos espetados pra cima e olhos rasgados, pensavam que o pai era oriental...rsrrs). Nasceu de olhos fechados e gosta muito de dormir até os dias atuais.
Penso que na vida temos que experimentar todas as sensações que nos são destinadas, se não for assim a gente não teve experiências, sai repetindo o que ouviu dos outros, se baseia na experiência alheia.
A vida é cíclica e o ciclo se acaba. Se podemos falar em continuar vivendo como os espíritas pregam, uma pessoa que não acredite em reencarnação pode continuar vivendo em seus filhos que trazem a carga genética e características de seus pais. Não sei se acredito em reencarnação (depois que eu morrer poderei concluir), mas tenho certeza que continuarei viva por meio de meus filhotes.

Desejo a todas as mães um dia maravilhoso cheio de realizações e muitas demonstrações de amor de seus filhos. Para as futuras mães eu digo não tenha medo. A maternidade é linda e apesar da dedicação eterna que daremos a eles, tenham a certeza de que VALE A PENA.

FELIZ DIA DAS MÃES 


MEUS FILHOS

25 de abr. de 2010

Um pouco mais de mitologia - O Minotauro



Desde que tive aquela aula maravilhosa com o professor mestre Eduardo Brefore, a mitologia grega tem sido um adorável passatempo. Tenho a impressão de parecer uma criança escutando historinhas como Chapéuzinho Vermelho ou O Mágico de OZ. Acho que é quase isso.
Pensando assim, de tempos em tempos, postarei uma dessas sagas gregas que, particularmente, eu adoro descobrir. Se você também gosta, divirta-se.

Segundo a Mitologia Grega, Minos era o poderoso rei de Creta. Recebeu seus poderes de Posseidon, deus dos terremotos e das profundezas do Oceano, que concordou em torná-lo soberano das marés se o rei se propusesse oferecer-lhe em sacrifício um belíssimo touro branco.
Como Minos não desejasse desfazer-se do majestoso animal, escondeu-o em seu rebanho substituindo-o por outro touro inferior. Ultrajado com a arrogância do rei e o desrespeito pelo pacto firmado anteriormente entre eles, Posseidon solicitou a ajuda de Afrodite, deusa do amor, que fez com que Pasífae, esposa do rei, fosse consumida por uma enorme paixão pelo touro branco. Para concretizar seu desejo, a rainha manda que o artesão do palácio fabricasse uma vaca de madeira Em seguida, adentrou o animal de madeira; o touro então penetrou Pesíifae e dessa união entre a rainha e o animal nasceu o Minotauro, a vergonha de Minos. A criatura, corpo de homem, cabeça de boi- se alimentava apenas de carne humana. 
Horrorizado e cheio de vergonha, Minos ordena que fosse construído um imenso palácio de pedras, o Labirinto tão cheio de corredores que se entrecruzavam e de aposentos dispostos de tal maneira que quem nele entrasse não conseguiria sair.

Entretanto o reino não poderia permanecer para sempre naquela estagnação, ocultando em seu seio segredo tão vergonhoso. Com a intercessão de Ariadne, filha de Minos, Teseu, o herói filho de Poseidon, veio em seu auxilio para matar o Minotauro.O herói foi ao labirinto, prendeu a ponta de um novelo de lã na entrada e saiu em busca da besta. Depois de matá-la, voltou seguindo o rastro da lã desenrolada  Naquele mesmo instante, o deus dos mares insurgiu das profundezas  do oceano enfurecido e destruiu o labirinto com um terremoto, deixando sob os escombros os corpos do rei  Minos e do Minotauro, Todos os escravos foram postos em liberdade. Teseu foi proclamado rei de Creta e inaugurou-se uma uma nova era de paz e prosperidade. e o Labirinto jamais foi reconstruído. 

17 de abr. de 2010

Injeção cultural

A viagem foi um luxo. Primeiríssimo lugar visitado foi o MASP onde seria a exposição de Marc Chagall, mas infelizmente tinha acabado no fim de semana anterior, porém, vi obras que não esperava encontrar como Pablo Picasso, Eugéne Delacroix, Paul Gauguin, Anita Mafaltti, Van Gogh e Renoir.
A exposição trouxe os primeiros retratos, inicialmente o auto-retrato, direcionado para a elite, esses com muitas pompas e detalhes evidentes de uma posição social mais elevada, por meio de objetos como cadeiras e vestimentas que somente pessoas da elite poderiam usar.
Confesso que estar diante de um Pablo Picasso é fascinante. Impressiona os detalhes de cores,  movimentos  e a riqueza de detalhes e expressões captadas pelo olhar do artista, exercem um certo hipnotismo quando olhamos.
Esse tipo de arte foi bastante criticado quando criado pelo fato de um retrato não trazer a visão do artista, mas sim uma cópia do real, deixando a subjetividade de lado. Mesmo assim, como boa leiga, ainda, no assunto, creio que a arte, mesmo em forma de retrato, está lá, basta olhar.
Havia também uma belíssima escultura de Giuseppe Mazzuoli  em "Diana adormecida", uma obra de 1700.
É tanta perfeição que é possível ver a queda dos cabelos de Diana e os detalhes, talhados, com perfeição, das dobras da roupa. Maravilhoso.

Fui também visitar o Planetário, no Parque do Ibirapuera, quem me conhece sabe que gosto de estrelas, então, foi uma viagem ao espaço. As luzes se apagam dando lugar a um céu imensamente estrelado. Sabiam que há mais de 3 bilhões de galáxias, existentes, já confirmadas, mas o universo é infinito, então...pode haver mais.
Há duas galáxias que podem ser vistas a olho nú e vimos todos os dias, mas não paramos pra dar a devida atenção. São aquelas duas imagens no céu (olhe de preferência bem de madrugada) onde parece um vapor entre as estrelas...dê uma boa olhada hoje para o céu.


Depois fui a Pinacoteca, lugar imenso em frente a Estação da Luz, no bairro da Luz, com estruturas trazidas da Inglaterra que copiam o famoso relógio Big Ben, aberta ao público em 1910, todas as grandes personalidades pisaram por lá, já que a ferrovia era o meio de transporte usado no período, e também trazia imigrantes de todas as partes do mundo.

Vi Andy Wahrol  e sua pop-art . Muitas obras voltadas a tecnologia do momento, várias pessoas e símbolos retratados de forma massiva alterando apenas as cores. Maravilhoso.
Essas obras eram uma forma de protesto ao consumo desenfreado do século XX.
Gostaria de ter visto muitas outras coisas, mais o tempo foi curto. Outras oportunidades virão.

2 de abr. de 2010

Hélio Oiticica - Antiarte por exelência

Pintor, escultor, artista plástico e performático, de aspirações anarquistas, Hélio Oitiica é considerado, por muitos, o artista mais revolucionário de seu tempo. Sua obra mais polêmica é o "Parangolé" , uma espécie de capa , tenda ou bandeira, que só mostra plenamente seus tons, cores, formas, textura e grafismo e o material que foi executado (tecido, borracha, tinta, papel), à partir dos movimentos de algúem que o vista. Por isso foi considerada escultura móvel (antiarte por exelência). Foi expulso de uma mostra no MAM do Rio por levar integrantes da Mangueira  vestidos de Parangolés. A experiência no morro fazia parte da dimensão que sua obra queria atingir.
Foi a obra "Penetrável Tropicália" que influênciou o grupo musical de Caetano Veloso Gilberto Gil Gal Costa e Betânia a adotarem o nome "Tropicália" na década de 60.
Dizia que suas obras eram " A primeiríssima tentativa consciênte de impor uma imagem brasileira ao contexto da vanguarda".
Tem como p´re-requisito a incursão do visitante, ou seja, os ambientes coloridos só funcionam com a presença do espectador.

28 de mar. de 2010

Andy Wahrol - Pinacotéca



A Pop Art, surge na Inglaterra, através de um grupo de artistas intitulados "Independent Group", lançando em primeira mão as bases da nova forma de expressão artística, que se beneficia das mudanças tecnológicas e da ampla gama de possibilidades colocada pela visualidade moderna, que está no mundo - ruas e casas - e não apenas em museus e galerias.

É possível observar nas obras Pop britânicas um certo deslumbramento pelo american way of life através da mitificação da cultura estadunidense. É preciso levar em consideração que a Inglaterra passava por um período pós-guerra, se reerguendo e vislumbrando a prosperidade econômica norte-americana. Desta forma, todas as obras dos artistas pop britânicos aceitaram a cultura industrial e assimilaram aspectos dela em sua arte de forma eclética e universal.

Até 1963, quando duas exposições reúnem obras que se beneficiam do material publicitário e da mídia. É nesse momento que os nomes de Andy Warhol, Claes Oldenburg, James Rosenquist e Tom Wesselmann surgem como os principais representantes da arte pop em solo norte-americano. Sem estilo comum, programas ou manifestos, os trabalhos desses artistas se afinam pelas temáticas abordadas, pelo desenho simplificado e pelas cores saturadas. A nova atenção concedida aos objetos comuns e à vida cotidiana encontra seus precursores na anti arte dos dadaístas.

É o estilo neutro e documental de Warhol que reproduz a impessoalidade e o isolamento que caracterizam essa fama. O desinteresse fotográfico num sorriso forçado, estereotipado, as cores vibrantes que a tornam numa caricatura, uma artificialidade assumida. Warhol secularizou o ídolo de Marilyn Monroe ao repetir constantemente seus retratos ou ao isolar o sorriso, ligando o mito da estrela aos métodos usados pelo mass media para fazer uma estrela, com variações e sequências sucessivas, tal como num produto industrial.

Hipocondríaco, desde criança, devido a uma doença, Wahrol preferia a companhia da mãe a de seus colegas. A guinada em sua vida ocorre em 1960 quando passa a se utilizar dos motivos e conceitos da publicidade em suas obras com cores fortes e tinta acrílica.
Morreu em 1987, após uma cirurgia.

"No futuro, toda a gente será célebre durante quinze minutos". (Andy Wahrol)


Marc Chagall -O expoente da gravura - no MASP

Chagall, Au-Dessus De La Ville

Marc Chagall: nascido em 1887, na Rússia, de início aprendeu técnicas de pintura retratista num atelier, Vai à Paris e se encanta com a diversidade de cores dos pintores modernistas parisienses, vivem o período conhecido como Bella Époque, antes da Primeira Grande Guerra, onde se acreditava que a pujança e o consumo capitalista crescente, oriundo da II Revolução Industrial, nunca teria fim. Fica em contato com esses artistas, mas, foi de Guillaume Appolinaire que se tornou grande amigo.

Neste período pinta um de seus quadros mais famosos "Eu e a aldeia" e "O soldado Bebé".

Quando acontece a primeira guerra mundial, Marc tem de regressar a Rússia, pois, é mobilizado para as fronteiras. Casa-se em São Petersburgo.

Após a Revolução Socialista foi nomeado Comissário para as Belas Artes, inaugurando uma escola de artes aberta a qualquer tendência modernista (não podemos esquecer que a ideologia socialista baseava-se no construtivismo, onde o artista é o operário), sendo assim, entra em conflito com Kasimir Malevich ( propunha um novo movimento intitulado Suprematismo - figuras geométricas - que seria a ruptura consciente dos artistas russos com a Europa e a afirmação de uma escola russa independente) e demite-se do cargo.

Volta à Paris e obtém sucesso pintando a capa de uma Bíblia e As Fábulas de La Fontaine tendo feito 100 gravuras, assim, são conhecidos suas primeiras paisagens.

Visitou a Síiria e a Palestina em 1931 ficando bastante impressionado com a cultura de lá.

Desde 1935, com a volta da guerra, Chagall pinta as tensões e repressões sociais e religiosas, que também sentia na pele, por ser judeu convicto. Anos mais tarde parte para os EUA fugindo das perseguições de Hitler.

No final da guerra sua esposa falece, fato que lhe causa grande depressão, mergulhando novamente no mundo das evocações, dos chamamentos, das sombras. Concluiu neste período um quadro que havia iniciado em 1931, chamado "Em torno dela" .

Durante a primeira guerra(1914- 1918), artistas e intelectuais de diversas nacionalidades, contrários ao envolvimento de seus países no conflito, exilaram-se em Zurique , Suíça , e fundaram um movimento literário que deveria expressar suas decepções com o fracasso da ciência, religião e filosofia existentes até então, pois, revelaram-se incapazes de evitar a grande destruição que assolava toda a Europa.

Esse movimento foi chamado "DADÁ" que pretendia demonstrar que a arte perdia o sentido, já que a guerra instaurou o irracionalismo no Continente europeu. É preciso considerar também que os estudos de Freud chamavam atenção para um aspecto novo da realidade humana. Revelavam esses estudos que muitos atos praticados pelos homens são automáticos e independentes de um encadeamento de razões lógicas.

Desta forma os dadaístas propunham que a criação artística se libertasse das amarras do pensamento racionalista e sugeriram que a arte fosse apenas o resultado do automatismo psíquico, selecionando e combinando elementos ao acaso.

Na pintura essa atitude foi traduzida por obras que usaram o recurso da colagem. Só que agora a intenção não é prática e sim sátira e crítica aos valores tradicionais , tão valorizados, mas, responsáveis pelo caos que se encontrava a Europa.

O automatismo psicológico do dadaísmo propiciou o aparecimento do surrealismo, surgem obras que nada devem a razão , à moral ou as próprias preocupações estéticas. Portanto, a obra de arte são manifestações do subconsciente, absurdas, ilógicas, como as imagens dos sonhos e das alucinações, que produzem as criações artísticas mais interessantes. As vezes as obras surrealistas representam alguns aspectos da realidade ou excesso de realismo, entretanto, eles aparecem sempre associados a elementos inexistentes na natureza, criando conjuntos irreais.

A pintura surrealista desenvolveu duas tendências: Figurativa (Salvador Dali - Marc Chagall) e a Abstrata (Joan Miró - Max Ernest)


27 de mar. de 2010

Férias Merecidas

Finalmente, depois de um longo e tenebroso inverno, conseguimos tirar uns dias de férias, vamos viajar, mas, antes pedi umas dicas para a professora e artista plástica Márcia Porto sobre exposições que estavam ocorrendo na cidade da "gente laboriosa" (ler Saudosa Maloca de Adoniran Barbosa neste mesmo blog).
Além de poder visitar museus e exposições, a viagem proporcionaria relaxamento e reencontro com pessoas muito amadas, familiares e amigos de longa data.
Falei da viagem por que vou escrever, em posts uma breve introdução sobre os artistas a serem visitados.
Márcia me recomendou Marc Chagall, exposto no MASP, Andy Wahrol na Pinacoteca e Hélio Oiticica no Itaú Cultural.
Os posts a seguir colocarão os artistas em seu tempo histórico, que ajudará a compreender os motivos de suas obras e sob o qual período histórico estavam influenciados.
Vou novamente dividir em posts, e cada um falará de um artista. Quando eu voltar da viagem escreverei sobre as impressões que tive com relação as obras.


17 de mar. de 2010

Dionísio ou Baco

Zeus, mais uma vez, apaixonou-se por uma mortal. Dessa feita, a vítima foi a princesa tebana Sêmela, que tornou-se mãe do segundo Dionísio. É que de Zeus e Perséfone nasceu Zagreu, o primeiro Dionísio. Preferido do pai e dos homens , estava destinado a sucedê-lo no governo do mundo, mas o destino decidiu o contrário.
Para proteger o filho do ciúmes de Hera, sua esposa, Zeus o confiou aos cuidados de Apollo e dos Curetes que o criaram na floresta do monte Parnaso.
Hera, mesmo assim, descobriu o paradeiro do jovem deus e encarregou os Titãs de raptá-lo.
Apesar das várias metamorfoses tentadas por Dionísio, os Titãs surpreenderam-no em forma de touro e o devoraram.
Palas Atená, (Deusa da inteligência e das artes), conseguiu salvar-lhe o coração, que ainda palpitava. Foi esse coração que Sêmele engoliu, tornando-se grávida do segundo Dionísio.

O segundo Dionísio, no entanto, não teve um nascimento normal. Hera, ao saber dos amores de Zeus e Sêmele, resolveu eliminá-la.

Transformando-se em ama da princesa tebana aconselhou-a a pedir ao amante que se apresentasse em todo seu esplendor. O deus advertiu a Sêmele que semelhante pedido lhe seria funesto, mas como havia jurado pelo rio Estige jamais contrariar-lhe os desejos, apresentou-se-lhe com seus raios e trovões. O palácio da princesa incendiou-se e esta morreu carbonizada.
Zeus recolheu do ventre da amante o fruto inacabado de seus amores e colocou-o em sua coxa, até que se completasse a gestação normal. Nascido o filho, Zeus confiou-o aos cuidados das ninfas e dos sátiros do monte Nisa. Lá em sombria gruta, cercada de frondosa vegetação, e em cuja paredes se entrelaçavam viçosas vides , donde pendiam maduros cachos de uva, vivia feliz o filho de Sêmele.
Certa vez, Dionísio colheu alguns desses cachos, espremeu-lhes as frutinhas em taças de ouro e bebeu o suco em companhia de sua corte. Todos ficaram então conhecendo o novo néctar: o vinho acabava de nascer.
Bebendo-o repetidas vezes, Sátiros , Ninfas e Dionísio começaram a dançar vertiginosamente ao som dos címbalos. Embriagados do delírio báquico, todos caíram por terras desfalecidos.

Segue na próxima postagem.

14 de mar. de 2010

Mitologia Grega

Sábado, dia 13 de Março, tive uma aula simplesmente maravilhosa, sobre Mitologia Grega, com o Mestre Carlos Eduardo Brefore Pinheiro, e como sei que algumas pessoas desconhecem a mitologia grega, gostaria de compartilhar um pouco do que aprendi. Devo dizer que este post, tem a participação, mais do que indispensável, da minha queridíssima amiga Nayara Jorge, historiadora e web design (mega competente nas duas funções).
Por ser uma postagem meio grande(quase todas as minhas postagens são assim), vou dividí-la em partes, mas digo que vale a pena ler todas.

Acreditava-se que, no princípio, havia o caos, seria o nada e a mistura de tudo. O imaterial dá luz aos seres.
Do caos surgiu o Tártaro (inferno), que ao contrário da explicação atual, não era um lugar ruim, para lá iriam todas as almas. Depois veio a Noite (antes de surgir a luz vem a escuridão), depois das trevas veio o Dia, o Éter (ar) e por fim a Terra, de princípio feminino, que na explicação mitológica é andrógena, ou seja, não necessita de macho para fecundação e dela surge o Céu (Urano). A composição abstrata do mundo está formada. Temos Terra, Ar, Noite, Dia, Céu e Inferno (situado no interior da Terra).
A Terra casa-se com seu filho Urano para gerar a vida, tecida pelas três senhoras (início, meio e fim). Os filhos da Terra são os 12 Titãs:
Réia (esposa de Cronos), Pontus (Oceano), Têmis (justiça), Mnemósine (memória), Febe (Lua), Tétis , Cronos (Saturno), Krios (deus das profundezas marítimas- nunca ninguém viu), Hipério (aurora), Jápeto (pai de Prometeu, que roubou o fogo sagrado), Atlas (que carrega o mundo nas costas) e Téia. Eis o quadro dos primeiros deuses e fase anterior ao aparecimento dos homens.

O Céu percebe a rivalidade entre seus filhos e pede a Terra que mate os filhos que vierem. Cronos sabendo das intenções do pai, corta-lhe os testículos que cai no mar. Da espuma do sêmen do Céu nasce Afrodite (a Deusa do amor). Assim Cronos passa a reinar, casa-se com sua irmã Réia e tem 6 filhos: Zeus, Posidon, Hades, Hera Deméter e Héstia.

Cronos, assim como aconteceu com seu pai Céu, teme perder o poder e devora seus filhos, mas Zeus escapa e mata seu pai (sempre na disputa de poder - muito semelhante ao ser humano), e resgata do estômago de seu pai os seus irmãos.
Os machos dividem as posses (perceba que neste espaço, a mulher -Terra- perde seu poder para o sexo masculino) :

O Céu fica com Zeus, definido como símbolo da onipotência, têm domínio real, longevidade e poder - simboliza o homem, cria o Olimpo como morada dos deuses para se tornar chefe absoluto. Conquistador, é hábil em fazer alianças, galanteador , é esposo de Hera, mas tem inúmeras amantes.

Os mares com Posídon, deus das tempestades e terremotos, tem total domínio das emoções e do instinto. Inimigo implacável. Casado com Anfrítite teve algumas amantes e vários filhos, todos violentos como o pai.

Hades (Plutão) é deus do mundo subterrâneo, domina as almas e o inconsciente, fantasias e sombras. Casado com Perséfone.

Este é o princípio da Mitologia Grega e dos casamentos citados, filhos serão gerados (com as esposas ou não) surgindo figuras com princípios que norteiam a sociedade.


25 de fev. de 2010

Uma nova igualdade depois da crise, por Eric Hobsbawm


Como este blog é referente a artigos históricos, achei um texto muito interessante do historiador Eric Hobsbawm sobre o século XX. Vale a pena conferir.


O "Século Breve", o 20, foi um período marcado por um conflito religioso entre ideologias laicas. Por razões mais históricas do que lógicas, ele foi dominado pela contraposição de dois modelos econômicos – e apenas dois modelos exclusivos entre si – o "Socialismo", identificado com economias de planejamento central de tipo soviético, e o "Capitalismo", que cobria todo o resto.


Essa contraposição aparentemente fundamental entre um sistema que ambiciona tirar do meio do caminho as empresas privadas interessadas nos lucros (o mercado, por exemplo) e um que pretendia libertar o mercado de toda restrição oficial ou de outro tipo nunca foi realista. Todas as economias modernas devem combinar público e privado de vários modos e em vários graus, e de fato fazem isso. Ambas as tentativas de viver à altura da lógica totalmente binária dessas definições de "capitalismo" e "socialismo" faliram. As economias de tipo soviético e as organizações e gestões estatais sobreviveram aos anos 80. O "fundamentalismo de mercado" anglo-americano quebrou em 2008, no momento do seu apogeu. O Século 21 deverá reconsiderar, portanto, os seus próprios problemas em termos muito mais realistas.


Como tudo isso influi sobre países que no passado eram devotados ao modelo "socialista"? Sob o socialismo, haviam reencontrado a impossibilidade de reformar os seus sistemas administrativos de planejamento estatal, mesmo que os seus técnicos e os seus economistas estivessem plenamente conscientes das suas principais carências. Os sistemas – não competitivos em nível internacional – foram capazes de sobreviver até que pudessem continuar completamente isolados do resto da economia mundial.


Esse isolamento, porém, não pôde ser mantido no tempo, e, quando o socialismo foi abandonado – seja em seguida à queda dos regimes políticos como na Europa, seja pelo próprio regime, como na China ou no Vietnã – estes, sem nenhum pré-aviso, se encontraram imersos naquela que para muitos pareceu ser a única alternativa disponível: o capitalismo globalizado, na sua forma então predominante de capitalismo de livre mercado.


As consequências diretas na Europa foram catastróficas. Os países da ex-União Soviética ainda não superaram as suas repercussões. A China, para sua sorte, escolheu um modelo capitalista diferente do neoliberalismo anglo-americano, preferindo o modelo muito mais dirigista das "economias tigres" ou de assalto da Ásia oriental, mas abriu caminho para o seu "gigantesco salto econômico para frente" com muito pouca preocupação e consideração pelas implicações sociais e humanas.


Esse período está quase às nossas costas, assim como o predomínio global do liberalismo econômico extremo de matriz anglo-americana, mesmo que não saibamos ainda quais mudanças a crise econômica mundial em curso implicará – a mais grave desde os anos 30 –, quando os impressionantes acontecimentos dos últimos dois anos conseguirão se superar. Uma coisa, porém, é desde já muito clara: está em curso uma alternância de enormes proporções das velhas economias do Atlântico Norte ao Sul do planeta e principalmente à Ásia oriental.


Nessas circunstâncias, os ex-Estados soviéticos (incluindo aqueles ainda governados por partidos comunistas) estão tendo que enfrentar problemas e perspectivas muito diferentes. Excluindo de partida as divergências de alinhamento político, direi apenas que a maior parte deles continua relativamente frágil. Na Europa, alguns estão assimilando o modelo social-capitalista da Europa ocidental, mesmo que tenham um lucro médio per capita consideravelmente inferior. Na União Europeia, também é provável prever o aparecimento de uma dupla economia. A Rússia, recuperada em certa medida da catástrofe dos anos 90, está quase reduzida a um país exportador, poderoso, mas vulnerável, de produtos primários e de energia e foi até agora incapaz de reconstruir uma base econômica mais bem balanceada.


As reações contra os excessos da era neoliberal levaram a um retorno, parcial, a formas de capitalismo estatal acompanhadas por uma espécie de regressão a alguns aspectos da herança soviética. Claramente, a simples "imitação do Ocidente" deixou de ser uma opção possível. Esse fenômeno ainda é mais evidente na China, que desenvolveu com considerável sucesso um capitalismo pós-comunista próprio, a tal ponto que, no futuro, pode também ocorrer que os historiadores possam ver nesse país o verdadeiro salvador da economia capitalista mundial na crise em que nos encontramos atualmente. Em síntese, não é mais possível acreditar em uma única forma global de capitalismo ou de pós-capitalismo.


Em todo caso, delinear a economia do amanhã é talvez a parte menos relevante das nossas preocupações futuras. A diferença crucial entre os sistemas econômicos não reside na sua estrutura, mas sim na suas prioridades sociais e morais, e estas deveriam, portanto, ser o argumento principal do nosso debate. Permitam-me, por isso, a esse ilustrar dois de seus aspectos de fundamental importância a esse propósito.


O primeiro é que o fim do Comunismo comportou o desaparecimento repentino de valores, hábitos e práticas sociais que haviam marcado a vida de gerações inteiras, não apenas as dos regimes comunistas em estrito senso, mas também as do passado pré-comunista que, sob esses regimes, havia em boa parte se protegido. Devemos reconhecer quanto foram profundos e graves o choque e a desgraça em termos humanos que foram verificados em consequência desse brusco e inesperado terremoto social. Inevitavelmente, serão necessárias diversas décadas antes que as sociedades pós-comunistas encontrem uma estabilidade no seu "modus vivendi" na nova era, e algumas consequências dessa desagregação social, da corrupção e da criminalidade institucionalizadas poderiam exigir ainda muito mais tempo para serem combatidas.


O segundo aspecto é que tanto a política ocidental do neoliberalismo, quanto políticas pós-comunistas que ela inspirou subordinaram propositalmente o bem-estar e a justiça social à tirania do PIB, o Produto Interno Bruto: o maior crescimento econômico possível, deliberadamente inigualitário. Assim fazendo, eles minaram – e nos ex-países comunistas até destruíram – os sistemas da assistência social, do bem-estar, dos valores e das finalidades dos serviços públicos. Tudo isso não constitui uma premissa da qual partir, seja para o "capitalismo europeu de rosto humano" das décadas pós-1945, seja para satisfatórios sistemas mistos pós-comunistas.


O objetivo de uma economia não é o ganho, mas sim o bem-estar de toda a população. O crescimento econômico não é um fim, mas um meio para dar vida a sociedades boas, humanas e justas. Não importa como chamamos os regimes que buscam essa finalidade. Importa unicamente como e com quais prioridades saberemos combinar as potencialidades do setor público e do setor privado nas nossas economias mistas. Essa é a prioridade política mais importante do Século 21.


Publicado originalmente no jornal La Repubblica. Tradução de Moisés Sbardelotto em Envolverde/ECO 21.

12 de fev. de 2010

60 anos de Chico Buarque


Como sou fã incondicional do meu amado Chiquinho, peguei um texto super bem escrito, do jornalista Ruy Castro, sobre os 60 anos deste magnífico artista.
O que mais me impressiona é a profundidade de suas letras, a carga sentimental que cada uma delas carrega. Chico é maravilhoso. Tem uma frase que ele diz a Caetano assim: "Gosto de cantar as músicas no feminino porque parece que a gente é outra pessoa, vê diferente".
Aqui o artigo de Ruy Castro.
Foi no tempo em que os bichos falavam ― 1966, 1967, por aí. Os meninos do Brasil estavam ouvindo "Lovely Rita", dos Beatles. Mas os mais espertos preferiam "A Rita", de Chico Buarque. As duas canções saíram na mesma época, mas as Ritas eram diferentes.
A de Lennon e McCartney era uma guarda civil encarregada de fiscalizar parquímetros. Em suma: inglesa. Lennon ou McCartney ― um dos dois, difícil dizer qual ― está a perigo e a fim de Rita. Convida-a para jantar, o que, devido ao inusitado da proposta, Rita não apenas aceita como ainda paga a conta. Ele a leva em casa, ela o convida a entrar e, quando ele pensa que os dois vão acabar na cama, tem de se conformar em passar a noite conversando na sala com ela e as bolhas de suas duas irmãs.
Já a Rita de Chico Buarque era muito melhor. Deu o fora em Chico, foi embora e levou seu retrato, seu trapo, seu prato, que papel, uma imagem de São Francisco e um bom disco de Noel. Não levou um tostão porque não tinha, não, mas causou perdas e danos. Ou seja, era uma mulher de caráter.
A Rita dos Beatles era uma pata-choca encalhada. A de Chico era safa, despachada e capaz de uma atitude.
Por que tirar os Beatles do baú para se falar de Chico Buarque? Porque os artigos comemorativos dos seus sessenta anos o têm situado apenas no panorama da música brasileira em que ele apareceu, de um jato, já com sete ou oito canções excepcionais ― "Pedro pedreiro", "Olê, olá", "Sonho de um Carnaval", "Fica", "Juca", "A banda", "Amanhã ninguém sabe" e a própria "Rita" ―, assim de repente, sem avisar.
Nenhum outro compositor fizera uma espuma desse tamanho ao surgir. Mas o panorama da música naquele tempo era internacional e pouco favorável à aparição de artistas como Chico. Os nacionalismos musicais estavam sob o fogo cerrado das multinacionais do disco ― já era uma tentativa de globalização, embora não soubéssemos.
Todos os países, mesmo os Estados Unidos, começavam a dar as costas à sua música popular e a se converter maciçamente ao iê-iê-iê, na tentativa de fabricar os seus próprios Beatles ou contrafações baratas.
Evidente que o Brasil ― musicalmente um dos países mais cosmopolitas do mundo e já em quarto ou quinto lugar entre os mercados fonográficos ― era um candidato natural a aderir. Pois aconteceu que, enquanto isso se dava no resto do planeta, os jovens brasileiros, mesmo os que gostavam dos Beatles, estavam ouvindo também Chico Buarque.
E muitos, principalmente os universitários, só ouviam Chico Buarque. Mais do que seus companheiros de geração, ele pode ter sido o responsável pelo fato de o Brasil ter continuado a produzir música brasileira. O irônico é que, quando surgiu, Chico parecia um paradoxo ambulante. Muito jovem (22 anos em 1966), bonito (os olhos cor de ardósia já provocavam desmaios, só que em garotinhas), pinta de genro dos sonhos, usava camisas quadriculadas e promovia um boneco de feltro preto chamado Mug, que, diziam, dava sorte. Tinha todas as ferramentas para ser um herói da Revista do Rádio ou da Buzina do Chacrinha, fazendo par com Martinha ou Wanderléa. Pois Chico Buarque, em vez disso, fazia samba. Não o samba da Bossa Nova, como seria de se esperar de alguém da sua idade, mas o samba tradicional ― música que já era associada aos "mais velhos" e que, com a súbita popularidade do iê-iê-iê gerado por um programa de televisão em São Paulo, parecia condenada ao gueto dos morros e das escolas. Para completar, a temática de seus sambas ― amores de Carnaval, moças suspirando na janela, maridos que chegavam tarde em casa ― também parecia de outra época. Nada a ver com a realidade da sua própria geração, que foi a primeira a se beneficiar da pílula e em que as moças, loucas para se livrar da virgindade, faziam os rapazes de cobaia. Aparentemente alheio a isso como compositor, era como se Chico vivesse e escrevesse em 1930. Não deu outra. Os "mais velhos", principalmente os críticos ligados ao samba "autêntico", começaram a usar Chico para combater, não o iê-iê-iê, mas a Bossa Nova ou o que restava dela. E ali começou também a mania de esse ou aquele grupo tentar usá-lo como bandeira para afirmar seus pontos de vista.
Nesses quarenta anos de carreira, o que Chico Buarque mais fez, além da música, foi se livrar de tais bandeiras. A primeira foi fácil. Os que queriam transformá-lo no "herdeiro" de Noel Rosa para atacar a Bossa Nova se chocaram quando viram Chico, logo de saída, dormindo com o inimigo. Mas que inimigo? Tom Jobim e Vinicius de Moraes ― logo quem. Assim que o conheceram, Tom e Vinicius se encantaram, viram nele um irmão mais novo e passaram a compor com ele ― o que, pela força musical e poética que os três tinham em comum, era apenas inevitável. Aos que se encontravam com Vinicius nas ruas do Rio, em 1966, e perguntavam, "E aí, Vina, o que há de novo?", o poeta respondia de bate-pronto: "Chico Buarque de Hollanda".
E, com Jobim, Chico começou uma parceria que iria render, de cara, a imortal "Sabiá", vencedora do Festival Internacional da Canção de 1968. Aliás, vitória que se deu justamente em cima da simplória, mas infecciosa "Para não dizer que não falei de flores", de Geraldo Vandré, este por sua vez erigido em símbolo da luta contra a ditadura ― o que, por contraste, fazia de Chico um símbolo da "alienação", do conformismo. Chico Buarque, conformista? Sim, era assim que alguns ainda o viam naquele turbulento ano de 1968, em que se exigia que os artistas tomassem posições "claras" sobre todos os assuntos, do Vietnã à guitarra elétrica e da pílula anticoncepcional à chegada do homem na Lua. A esquerda considerava que suas Januárias e Carolinas eram umas alienadas, porque ficavam na janela espiando a banda passar quando deviam estar nas ruas e nos sindicatos, lutando contra o regime. (Para piorar, o ditador vigente, o marechal Costa e Silva, era declaradamente fã de "Carolina".) Os tropicalistas, por sua vez, viam em Chico o atraso musical e o chamavam de antigo e superado, porque ele não abria mão de fazer sambas caprichados, em vez de partir para o deboche como eles. E os apóstolos do desbunde, que já despontavam dos bueiros, o desprezavam por seu suposto bom-mocismo e por tomar banho todos os dias. Chico nunca comprou essas brigas. Continuou a explorar seu universo lírico (com "Bom tempo", "Noite dos mascarados", "Quem te viu, quem te vê", "Com açúcar, com afeto", "Ela desatinou") e a enternecer os que ainda não se tinham entorpecido pelos dogmas. Sua música falava por si e estava acima de qualquer ideário ideológico, estético ou contracultural. Mas, como era também inevitável, a ditadura forçou Chico a desafiá-la ― como fez com quase toda a sua geração. Com o endurecimento do regime a partir do AI-5, em dezembro de 1968, a censura começou a marcá-lo em cima, a perseguir suas letras por qualquer bobagem e a tentar tornar sua carreira impraticável. Numa dessas, bateram à sua porta em horas ermas e o levaram ao Ministério da Guerra para uma conversa. Que fim levara o bom moço? Na verdade, o bom moço nunca existira. Chico foi embora (para a Itália), voltou no pior período (o de Médici, entre 1970 e 1974) e lutou, canção por canção, quase verso a verso, para não ser silenciado. Perdeu batalhas e ganhou outras, e só ele sabe o que essa guerra lhe custou. Mas, por causa disto, foi a nossa vez de usá-lo.
A cada samba ou canção novo que soltava, buscávamos sentidos reais ou imaginários nas suas letras e, pela sua engenhosidade e virulência, elas nos vingavam, nos redimiam e nos faziam bem. Nos anos mais sinistros da ditadura, Chico Buarque falou por nós, os covardes ou os que não tinham o seu talento. Não foi o único, é claro, mas era um dos mais visíveis ― e audíveis. Tudo isso já faz muito tempo. A ditadura acabou há décadas e já acabou tarde. O próprio Chico partiu para outros territórios e é curioso escutar hoje, de novo, suas canções do período. Descobre-se que, naquelas em que percebíamos sentidos ocultos, como "Quando o Carnaval chegar", "Basta um dia", "Gota d'água" ou "Maninha", não há nada, nenhuma mensagem em código, só beleza. Nesse caso, éramos nós, sem saber, que estávamos falando por ele. E, nas de virulência dirigida e explícita, como "Deus lhe pague", "Vence na vida quem diz sim", "Cálice" ou "O que será", o que restou delas, depois que se evaporaram os inimigos a combater? Ficaram a música, a letra, o acabamento de primeira, o clima, a emoção ― tudo aquilo em que Chico Buarque sempre investiu, alheio à sua ira ou ranger de dentes do momento. Um garoto de quinze anos, que as ouça pela primeira vez e não tenha a menor idéia do que essas canções significaram em seu tempo, ainda assim poderá amá-las ― pela sua inteligência e qualidade lírica intrínsecas, à prova de épocas, folhinhas, relógios.

10 de fev. de 2010

Ressignificações da História

O presente artigo tem como função induzir o leitor a refletir acerca de como o poder institucional tem poder de manipular o ensino, submetendo-o a interesses de alguns setores da sociedade.

Como parte do processo de ensino, o historiador atual deve tomar cuidado para não deixar transparecer sua posições sobre os acontecimentos, mas há fatos que não dá para serem ignorados.

Após o Brasil se tornar um estado independente e monárquico, a escola era um lugar destinado a ler, escrever e contar. Os professores da escola elementar deviam, segundo os planos de estudos propostos em 1827, ultilizar, para o ensino da leitura, entre outros textos, "a Constituição do Império e História do Brasil", com objetivo de exercitar a leitura e inserir nos meninos o espírito de aventura dos grandes heróis e o senso moral por meio de deveres com a Pátria e seus governantes. Sem esquecer que neste período a História do Brasil estava vinculada a Europa, descoberta por portugueses, branco, de olhos claros, sendo a história indígena descartada completamente, como se no Brasil a história começasse à partir do seu descobrimento.

Os conteúdos passaram a ser elaborados para construir uma idéia de nação associada à pátria , integradas como eixo indissolúvel.

Nas escolas, o ensino de História Sagrada fazia parte de doutrina religiosa, sendo ela mais difundida que a história laica, mesmo após a separação da igreja com o Estado.

A moral cívica vinculava-se a moral religiosa.

Educadores defendiam como modelo pedagógico a narração da vida dos santos e heróis profanos, de nome História biográfica.

Com a abolição da escravatura , no final da década de 80 do século XIX, o aumento populacional proveniente do intensificado processo de imigração e urbanização ampliaram os debates políticos sobre a concepção de cidadania; havia a necessidade do aumento de número de imigrantes que deveriam gostar da "nova terra" e atrair mais imigrantes, assim os direitos sociais e civis foram estendidos a um número cada vez maior de pessoas.

A escola ganha um novo destaque pela necessidade de aumentar o números de alfabetizados, condição fundamental para aquisição da cidadania política.

O aumento de alunos filhos de imigrantes levou os programas curriculares a sedimentar uma identidade nacional por meio da homogeneização da cultura escolar.

O foco era imitar a história européia visando a modernidade por meio da obediência a hierarquia, sem contudo, incluir nos programas curriculares a participação deles na construção histórica da Nação.

O fortalecimento do sentimento nacionalista, fez surgir as "inveções de tradições" (Eric Hobsbawn) , semelhante ao que ocorreu na Europa, os símbolos que representam o país como bandeiras (ver neste mesmo blog "A cremação das bandeiras), Hinos, o sentimeno patriótico são exemplos disso.

Acentuada principalmente durante o Estado Novo (olha ele de novo) de Vargas, o nacionalismo se torna uma doutrina e buscando raízes na própria terra, desvinculando-se da História européia, o mestiço, a feijoada, o samba, passam a ser referências do Brasil (ver neste mesmo blog Saudosa Maloca).

Havia historiadores e professores que se opunham a uma história exclusivamente de uma elite branca com os olhos voltados para Europa e para a evocação de uma mestiçagem que seguia passiva o rumo dos acontecimentos.

Grupos anarquistas que lideravam os grupos operários em suas lutas por direitos trabalhistas criaram em várias cidades, as Escolas Modernas em que o ensino se voltava contra a exarcebação do patriotismo e o culto a pátria, os quais entre outros propósitos incentivava e justificava o militarismo e as guerras. Vargas, sabendo do perigo que isso poderia representar para seu projeto de Estado Novo, disciplinador e nacionalista, fechou todas essas escolas e fundou o Ministério da Educação, organizando o sistema escolar de maneira centralizada e os conteúdos obedecendo normas mais rigorosas e gerais.

À partir daí a história ensinava o culto aos grandes heróis nacionais sendo Tiradentes o herói máximo.

Na forma de ensinar, usava-se o método mneumônico, pura decoreba que impunha perguntas e respostas com imagens associativas, caso respondesse errado, o aluno recebia a palmatória e as festas cívicas com a participação de autoridades e pais.
Pausa para uma reflexão; Quando em posts anteriores vimos "o que é representação social" fica claro que a representação acaba sendo uma arma, dependendo de quem a manipula.
Michel Foucault diz uma frase que acho simples e direta para o entendimento "A representação social não é uma cópia do real, mas uma construção feita à partir dele".
As Instituições sabem bem tirar proveito disso, mobilizado as massas de acordo com seus ideais políticos.
A escola claramente trabalhava para doutrinar o aluno a se tornar um cidadão a serviço da Pátria, nunca esquecendo de atender a elite dominante, tanto que o latim diferenciva uma elite social do povo iletrado e a formação moral, cujo, os valores eram dissiminados como universais, eram praticados exclusivamente pela elite. As disciplinas foram organizadas para atender objetivos sociais e de formação de valores.
Com o surgimento do capitaismo, o mundo industrial era incorporado por setores da nossa elite, que questionou o método humanístico de ensino e pessionou mudanças no ensino. Era necassário incorporar ciências exatas; Matemática, Física e Química. Compôs-se então o curriculo científico.
"Os métodos e conteúdo de ensino das disciplinas correspondentes provinha de projetos norte-americanos e estavam visivelmente direcionados para a formação de elites voltadas para a produção tecnológica, as quais deveriam estar submissas aos interesses do capitalismo, assim como aos valores propugnados pela Guerra Fria" (Circe Bittencourt)
Na área de humanas, acentuava-se a necessiade de neutralidade diante da história recente por parte do professor , justificada pela objetividade fornecida por uma História de caráter científico, assim como em exatas.
Os métodos, baseados nesta concepção de postura professor, passaram a ser considerados "técnicas de ensino".
Assistir a um filme correspondia a análise da linguagem do ponto de vista artístico, mas sobretudo, a escolha da obra cinematográfica era determinda pelo conteúdo, como no filme Marat/Sade, baseado na peça teatral de Peter Weiss, no qual se debate o tema da Revolução Francesa sob uma ótica diversa para a compreensão do "Período do Terror" de Robespierre.
Compreende-se então o fechamento, pelo Regime Militar, dessas escolas que promoviam uma renovação do ensino no sentido de articular conteúdo e método.
E agora, será que não estamos sendo "usados"a não interferir num sistema vigente, que busca profissionais técnicos para o mercado de trabalho, em não emitir opiniões sobre os fatos.
Todas as revoltas surgem em núcleos pensantes, seja ela indígena, elitica, artística, operária, surgiram em locais onde pessoas que estavam por dentro do assunto debatiam e disseminavam suas idéias. Não podendo calar o pensamnto de um intelectual, que se afoga em livros, fazê-lo omitir sua opinião, não é uma forma de calá-lo ?
Michel De Certeau defende que as pessoas são livres para ressignificar tudo, para ele não existe estruturas sociais, no entanto, para Pierre Bourdieu as ressignificações são crias de sua condição social.
Agora, tire você mesmo suas conclusões. Comente.

28 de jan. de 2010

O Correio Braziliense na Imprensa do Brasil

Em meados do século XIV o livro passava por três censuras: a episcopal exercida pela igreja , a da inquisição e a régia exercida por desembargadores do Desembargo do Paço.

Nos fins do século XVIII inicia-se o surgimento de bibliotecas particulares, mesmo sabendo que era um ato de crime, estudantes que iam para Europa, traziam livros de forma clandestina e perigosa. Com essa prática o volume de livros comercializados aumenta e faz surgir obras heterodoxas como Montesquie, coleção das Leis dos EUA, A Revolução (de Volney), Dicionário Filosófico(de Voltaire), entre outros.

Quase todos os livreiros de Lisboa eram franceses e fundavam casas (tipo cafés) pondo em circulação todas as publicações modernas. Houve um livreiro que introduziu mais de doze mil exemplares da Constituição Francesa em Portugal.

Papeis, revistas e livros circulavam no país por meio de marinheiros ingleses que traziam pelo cais.

No Brasil, os livros eram vistos com extrema desconfiança, só natural nas mãos de religiosos, bibliotecas apenas em mosteiros e colégios.

Com a Abertura dos Portos em 1808, por ordem da Corte Real que chegara naquele ano, os livros passaram a entrar em maior volume, mesmo com uma maior vigilância em relação aos livros que entravam pelo cais.

O Brasil não tinha universidades e era um dos únicos no mundo, exceto a África e a Ásia que não produzia a palavra impressa e uma das poucas tentativas esbarrava na intransigência das autoridades portuguesas. O escravismo dominante era avesso a cultura. Antes de 1808 houveram duas tentativas de se implantar tipografias para impressão, mas foram abafadas pela Corte, que temia ideias contrárias a Monarquia. O problema é que neste período na Europa, as ideias liberalistas já tomavam conta de vários países como EUA, e França.
Portugal como Pais monárquico não convinha o liberalismo , pois entraria em choque direto com a legitimidade dos reis A ignorância era necessária ao colonizador.


As mudanças ocorrem com a chegada da Família Real, que promoveu a Abertura dos Portos fazendo o comércio florecer.

Como a França havia invadido Portugal, a necessidade de sobrevivência da Corte em território brasileiro levou a criação de uma indústria de base como fábricas de pólvora, ferro e vidro e a necessidade de mostrar os Atos de Governo e notícias interessantes a colônia, logo após a chegada do Rei , se implanta a imprensa régia.


Neste contexto surge o Correio Braziliense.

Hipólito José a Costa Mendonça Furtado, nascido em 1764 na colonia de Sacramento, na Cisplatina, crescera no Rio Grande do Sul, em Pelotas, oriundo de familia rica.

Como todos os jovens da elite, partira para Coimbra para estudar, formando-se em 1794, então com 30 anos.

Em 1798, fora aos Estados Unidos em missão especial do governo português para escolher sementes e espionar os avanços tecnológicos. Morou lá por 2 anos e pode ver com os próprios olhos uma sociedade organizada, com universidades e um processo eleitoral adiantado.

Lá se envolveu com a maçonaria, cujo os ritos pressupunham a liberdade religiosa, o que Portugal não permitia.

Volta a Lisboa em 1800 como funcionário de Imprensa Régia, responsável pela publicação de livros de técnicas e economia. Paralelo ao seu trabalho, se envolvia mais ainda com a maçonaria portuguesa. Uma viagem especial a Londres o poria em contato com a maçonaria inglesa, até então a mais forte e importante do mundo, da qual eram membros os filhos do Rei Jorge III, e de um deles (Conde de Sussex- Augusto Frederico) Hipólito se torna grande amigo.

Foi por conta desses contatos novos que fez em Londres que logo depois de chegar a Portugal, é preso pelo Santo Ofício, só conseguindo a liberdade quando foge da prisão em 1805.

Volta a Londres e sobrevive graças a ajuda dos amigos maçons. No começo se virou como tradutor e professor de português.

Com a chegada da Família Real, que fugia da perseguição napoleônica aos Reis, Hipólito viu a oportunidade da colônia crescer, e buscando esse crescimento cria a palavra impressa e livre de censura, tal como vira nas países europeus.

Observou que na Inglaterra a monarquia constitucional era um fato, onde o parlamento, realmente limitava o poder do rei, onde a imprensa era livre e por ser amigo do Conde de Sussex, sentia-se à vontade para criticar a administração portuguesa como nenhum outro português ousaria fazer.

Esses fatos o motivaram a publicar em Londres, no dia 1° de Junho de 1808, o Correio Braziliense ou Armazém Literário.

Numa época em que o acesso a educação era restrito, a imprensa se firmava como difusor de novas ideias. O jornalista se confundia com educador.

O jornal tinha o tamanho e o formato de um livro, composto de vários e longos artigos, com informações analíticas e textos que as vezes se prolongavam por vários números seguidos.
Era assim o Correio Braziliense; cada número tinha cerca de cem páginas e dividido nas seções: Política, Comércio e Arte, Literatura e Ciência, Miscelânea a eventualmente Correspondência.

Na Miscelânea havia as Reflexões do Mês, que ao serem resenhadas incluíam suas observações e críticas, e foi neste espaço que, de forma organizada e consistente, pensa em seu projeto para o Brasil, por isso, tanto para a história da imprensa, quanto para a história do Brasil, é a parte mais importante do Correio.

A maior parte do jornal era dedicada a publicações de documentos de acontecimentos mundiais, além de notícias que ele recolhia nas Gazetas internacionais.

Era o noticiário mais atualizado possível e de fato, foi através do Correio que os brasileiros puderam acompanhar a trajetória de Napoleão e sua derrota, a Independência das colônias espanholas na América; e as fontes eram as melhores possíveis, pois, é bem provável que as informações fossem relatadas pelos próprios libertadores (Miranda, Bolívar, San Martin e O'Higgens) dos quais, por meio da maçonaria, se tornou amigo.
Mesmo cobrindo fatos internacionais, era o Brasil seu público alvo e seu possível público leitor.
Se colocava contra os monopólios que impediam o desenvolvimento do comércio e da indústria e à favor das transparências nas obras públicas. Não era democrata, queria reformas feitas pelo governo e não pelo povo. Acreditava que como viu na Inglaterra, a monarquia constitucional era o melhor governo possível.

Com a vinda da Corte e uma maior circulação de ideias, paralelo a ascensão da burguesia, as conversas políticas com relação a monarquia aumentaram.

Entre os historiadores há uma polêmica no que diz respeito a sua influência nas mentalidades brasileiras e quanto a ser o primeiro periódico no Brasil.

Não podemos esquecer que Hipólito era filhos de estancieiros ricos do Sul, portanto fazia parte de uma elite agrária ; era à favor de uma Monarquia Parlamentar, como na Inglaterra, e não da República, assim sendo, apoiou a escravidão, ficou ao lado da Corte quando Portugal tentou recolonizar o Brasil, mas em compensação, apesar de não ser produzido no país, o Jornal foi o único que conseguiu apontar as falhas na administração brasileira.

O termo correto seria periódico, pois se parecia mais como uma revista mensal do que com um jornal.

Quem mais se assemelhava a um jornal era a Gazeta do Rio de Janeiro, fundada em 10 de Dezembro de 1808, "irmã" da Gazeta de Lisboa.

Desnecessário dizer que se tratava da imprensa régia trazendo decretos, fatos relacionados com a Família Real, noticiário internacional, filtrado pela censura, sua periodicidade era curta, intensão informativa, poucas falas e preço baixo.

Nelson Werneck Sodré, autor de várias obras indispensáveis para quem quer entender a imprensa, diz que "nada tem de extraordinário o aparecimento do Correio Braziliense, pois sua influência foi relativa na medida em que sua forma de fazer imprensa era inadequada dentro do contexto político-social que o Brasil se encontrava; era pouco lido (mais repassado boca-a-boca) e quando surge as condições adequadas para o aparecimento da imprensa, o Correio perde a razão de ser, a elite da qual Hipólito fazia parte, aceitou a Independência e o Correio deixa de circular". É difícil considerá-lo como Imprensa Brasileira, uma vez que eram produzidos em Londres e a única condição pra isso é o fato de visarem as pessoas influentes do Brasil. Seu objetivo era atingir ao Brasil como público leitor, mas o fato de sua produção ser em Londres esclarece a dificuldade de condições políticas para se estabelecer a imprensa".

Quando ocorre a Revolução o Porto e obriga o Rei a regressar, ameaçado de perder a Coroa, inicia-se várias medidas legais para tornar o Brasil novamente dependente de Portugal, então Hipólito passa a ser completamente contrário a ideia, torna-se novamente oposição e inicia um diálogo entre o Correio e os liberais do Brasil.

"A elite colonial não queria a imprensa por temer a independência ou para não interferir num sistema econômico já vigente e cômodo. A conquista anterior fica em perigo e o perigo une; para unir é preciso mobilizar e para isso é necessário despertar opiniões, e para despertar opiniões é preciso a imprensa." ( Nelson Werneck Sodré)

A partir de 1821 a Gazeta passa a defender o liberalismo e a modernidade política, posiciona-se a favor da Independência antes do Correio que levava desvantagem pela distância e pela demora do periódico.

O jornal que foi fundado em 1° de Junho de 1808, publica seu último exemplar em Novembro de 1822. Teve 175 números editados, no total.

Hipólito morre em 11 de Setembro de 1823 de infecção intestinal, na época Cônsul Geral do Brasil.

Para a elite da qual ele fazia parte, a monarquia era cômoda, então Hipólito era somente contra a administração, não contra a monarquia. Quando o livre comércio se vê em risco, subjugado à metrópole, deixa sua postura monarquista e mesmo contra seus princípios apoia a Independência. Quando esta surge, o jornal deixa a razão de ser.

O que fica de legado do Correio Braziliense, e talvez o maior legado, é a riqueza de detalhes que o jornal conta em cada exemplar.

Para os historiadores é a riqueza de detalhes dos textos e documentos que nos dá condições reais de estudarmos a época e seus acontecimentos.

20 de jan. de 2010

Cremação das Bandeiras - Este é Getúlio Vargas

Esta postagem complementa o entendimento da postagem anterior, no que tange ao Estado Novo de Getúlio Vargas.
Na definição de Michel de Certeau apesar de as ciências sociais possuírem a capacidade de estudar as tradições, linguagem, símbolos, arte e artigos de troca que compõe uma cultura, lhe faltam formalismos para examinar as maneiras em que as pessoas se reapropriam destas coisas em situações cotidianas.
Certeau argumenta que esta é uma omissão perigosa, pois na atividade do re-uso encontra-se uma abundância de oportunidades para pessoas comuns subverterem os rituais e representações que as instituições buscam impor sobre eles.
Uma estratégia é uma entidade que é reconhecida como uma autoridade - pode ser qualquer coisa, desde uma instituição ou uma entidade comercial até um indivíduo cujo comportamento coincide com as definições propostas pelo autor para "estratégico". Uma estratégia pode ter o status de ordem dominante, ou ser sancionada pelas forças dominantes. Ela se manifesta fisicamente por seus sítios de operação (escritórios, matriz ou quartel-general) e nos seus produtos (leis, linguagem, rituais, produtos comerciais, literatura, arte, invenções, discursos).
O objetivo de uma estratégia é se perpetuar através das coisas que ela produz. Eficiência máxima significa ser capaz de vender o menor conjunto possível de produtos para o mercado mais amplo possível. Portanto a sua preocupação maior é a produção em massa e a homogenização do seu público-alvo.
Com essas definições de Michael de Certeau e os conhecimentos adquiridos na postagem anterior, fica mais fácil entender na prática a ditadura de estilo fascista do Estado Novo.
A queima das bandeiras age como se apagasse a hegemonia regional e estadual do Brasil, fazendo com que a grande massa absorvesse a idéia de Nação.
Quando um passado é encenado num ato, como uma atividade cultural, as lembranças que esse ato evoca assume o caráter de tradição cultural e neste, alimentam a memória social inserindo-se nas cerimônias comemorativas.
Observem a participação de Villa Lobos, citado no post anterior, como maestro "oficial" do nacionalismo de Vargas.
Abaixo um texto extraído do site http://www.caféhistória.com/ e o link da comemoração que deu início oa Dia da Bandeira, com a queima das bandeiras estaduais.
Menos de um mês após a implantação do Estado Novo, Vargas mandou realizar a cerimônia da queima das bandeiras estaduais, que teve lugar na Esplanada do Russell no Rio de Janeiro, para simultaneamente comemorar a Festa da Bandeira (cuja celebração tinha sido adiada) e render homenagem às vítimas da "Intentona Comunista" de 1935. Nesta cerimônia, que marca a nível simbólico uma maior unificação do país e um enfraquecimento do poder regional e estadual, foram hasteadas vinte e uma bandeiras nacionais em substituição às vinte e uma bandeiras estaduais que foram incineradas numa grande pira erguida no meio da praça, ao som do Hino Nacional tocado por várias bandas e cantado por milhares de colegiais, sob a regência do maestro Heitor Villa Lobos.
À queima das bandeiras seguiu-se o discurso do Ministro da Justiça, Francisco Campos, no qual ele afirmou:
"Bandeira do Brasil, és hoje a única. Hasteada a esta hora em todo o território nacional, única e só, não há lugar no coração dos brasileiros para outras flâmulas, outras bandeiras, outros símbolos.
Os brasileiros se reuniram em torno do Brasil e decretaram desta vez com determinação de não consentir que a discórdia volte novamente a dividi-lo, que o Brasil é uma só pátria e que não há lugar para outro pensamento do Brasil, nem espaço e devoção para outra bandeira que não seja esta, hoje hasteada por entre as bênçãos da Igreja e a continência das espadas e a veneração do povo e os cantos da juventude.
Tu és a única, porque só há um Brasil ─ em torno de ti se refaz de novo a unidade do Brasil, a unidade de pensamento e de ação, a unidade que se conquista pela vontade e pelo coração, a unidade que somente pode reinar quando se instaura pelas decisões históricas, por entre as discórdias e as inimizades públicas, uma só ordem moral e política, a ordem soberana, feita de força e de ideal, a ordem de um único pensamento e de uma só autoridade, o pensamento e a autoridade do Brasil"
(Correio da Manhã, 1937, p. 3).Fonte do texto: "O NACIONAL E O REGIONAL NA CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE BRASILEIRA". Ruben George Oliven

11 de jan. de 2010

Saudosa Maloca - São Paulo de Adoniran Barbosa.


O presente artigo, tem como objetivo entender o período da São Paulo de 1950, suas modificações, as causas e consequências dessas mudanças.

Para isso foi ultilizado o livro de Francisco Rocha - Adoniran Barbosa, O poeta da cidade - que mostra como o artista representa, por meio de seus personagens e letras de música, as condições em que a população operária, ou seja, os mais pobres, viam essas mudanças.

Em 1950 o então presidente da República Getúlio Vargas faz do período o resgate da cultura popular urbana no momento em que a rádio se projetava como meio de comunicação em massa, espaço de reprodução e divulgação dessa "nova cultura". A rádio é um fenômeno social no Brasil, assim como no mundo ocidentalizado.

O Estado Novo varguista absorvia a música e a folia popular, garantia os trilhos e exigia que se andasse na linha, era um Estado disciplinador e musical, assim Villa Lobos regia as crianças durante festejos cívicos, impunha contar a grandiosidade e as coisas belas; o samba exaltação, cujo melhor exemplo foi Aquarela do Brasil de Ari Barroso, um exemplo claro de interiorização desta ditadura pelos artistas.

"Os meios de comunicação de massas funcionam como uma espécie de espelho de identificação dos grupos para os quais eles se projetam" (Michel Maffesoli).

Sob forte influência dos arranjos do jazz ( para entender bem os acontecimentos, sugiro a leitura, neste mesmo blog das Mudanças Culturais na I e II Guerra Mundial), Villa Lobos divulgava seu estilo musical cantando em acordes e letras, as belezas do Brasil.

No âmbito da história mais recente, fez-se um corte radical entre o velho Brasil desunido, dominado por latifúndios e oligarquias e o Brasil que nasce com a Revolução. O Estado Novo teria realizado os objetivos revolucionários, promovendo atravéz da busca de novas raízes, da integração nacional, de uma ordem não dilacerada pelas disputas partidárias, a entrada do pais em tempos modernos, ou seja, a Revolução de 30 e a consolidação de seus propósitos, passaram a ser simbolizados como marco zero do nosso devir histórico.

Era a cultura mestiça que nos anos 30 despontava como representação oficial da Nação.

Como todo nacionalismo, cria-se símbolos ambivalentes onde interesses privados assumem sentidos públicos. Exemplo do mestiço usado como símbolo da Nação está a feijoada e o samba, que passa a ser exaltado como expressão de brasilidade. Basta lembrar que o Samba-Enredo foi oficializado em 1935 e em 1937 , obrigatóriamente o tema deveria ser histórico.

Para José Murillo de Carvalho "Nunca um governo adotou uma postura oficial da valorização do popular sobre o erudito, do povo sobre a elite. O modelo de Brasil não estava mais na Europa, mas em nossa própria história, nossas tradições, nosso povo e patrimônio".

Interessante pensar que este nacionalismo, visando a propaganda, foi desenvolvido pelo nazifascismo europeu e recuperado por Vargas e Perón (que chegaram a ser considerados fascistas). Este método legitimava-se pela tentativa de reformular mecanismos de controle social considerados inadequados para os novos tempos, canalizando as massas na direção imposta pelo novo regime; o temor a oposição acaba com a pluralidade da vida social, como experiência democrática e impõe a construção de uma sociedade unida e harmônica (Maria Helena Capelato).

No período do Regime Militar, mais especificamente no governo de Faria Lima, São Paulo torna-se a sede do milagre brasileiro. Para quem não se lembra, devido a Guerra Fria entre Estados Unidos e URSS, os americanos emprestavam dinheiro à rodo para os paises que se desenvolviam economicamente, visando introduzir suas multinacionais e manter os paises amarrados a sua disciplina, evitando a entrada do comunismo. O período ficou conhecido como o milagre econômico, pois fortíssimos investimentos eram aplicados no pais com novas indústrias e construções, porém gerou, anos mais tarde, uma inflação monstruosa que deixou o pais individado por até pouco tempo atrás.

O perfil paulistano da "gente laboriosa" e "cidade que não pode parar", trás um sentido de Nação, como se as projeções da cidade fossem modelo de Nação e a verticalização de São Paulo também torna-se traço dessa característica. A imagem de "cidade do progresso" fundamenta tanto o caráter congratulatório, como constrói a identidade sua e de seus habitantes. O tempo é medido pelo trabalho, onde um intervalo menor produz cada vez mais, portanto, o jeito de ser paulistano é tecido pela lógica trabalho/ produção = pressa.

Quando o passado é encenado num ato, como uma atividade cultural, as lembranças que esse ato evoca assumem o caráter de tradição cultural e neste alimentam a memória social inserindo-se nas cerimônias comemorativas. Neste contexto, o meio usado foram as comemorações do IV Centenário da cidade.

Como lembra Michel Certeau "Em nossa sociedade ausência de trabalho significa absurdo; deve-se eliminá-la para que prossiga o discurso que incansávelmente articula as tarefas e constrói o relato ocidental do " há sempre alguma coisa a fazer".

Em 1950 fabricava-se quase tudo em Sampa, o que levou a uma migração em massa de nordestinos para a cidade, principalmente para trabalharem na construção civil, basta saber que de 1940 a 1960 a cidade tanto em habitantes quanto em construção e cultura cresceu o dobro.

Os imigrantes italianos que já estavam aqui há algumas gerações, conseguiam estudar e se tornar pequenos e médios empresários, já os negros, apesar de uma leve melhora na condição social, ainda eram vistos amalgamados a escravidão, com oportunidades reais, mas remotas de ascenção econômica. As mulheres , antes à margem da economia, agora se encontravam em fábricas ou como costureiras ou ainda manicures, inseridas no operariádo paulistano.

As contradições eram vistas na periferia , onde antes moradores do centro bem servidos de equipamentos urbanos, agora se encontravam na região periférica da cidade em lotes sem água, sem luz e com ruas intransitáveis, empurrados pelo crescimento economico, que exigia maior espaço do centro econômico e comercial, colocando o próprio operariádo à margem da cidade. Nascia a periferia.

Adoniran, o artista

Filho de imigrantes italianos, João Rubinato nasceu em Valinhos em 1910 e no início dos anos 30 se muda para São Paulo. Trabalhou em várias empresas, como operário, garçon, mecânico, mas problemas pulmonares o afastaram. Cresceu nas ruas da cidade ouvindo vozes, sotaques e jeitos das pessoas com quem se relacionava.

Sua poética está justamente na inventabilidade de um certo jeito de ser paulistano. Sob pseudônimo de Adoniram Barbosa o artista se inicia como radioator e compositor de inúmeros sambas. Por 10 anos trabalhou na radioteca de Record, cujo seu personagem era Charutinho no programa Histórias das Malocas. Produz uma instigante crônica da cidade , busca retratá-la no instante em que o processo de industrialização e a formação de uma sociedade de massas se intensifica no pais e o cenário paulistano é o símbolo desta transformação.

Segundo Hannah Arendt, o conceito de biografia é a história da vida que integra o conjunto de atos e palavras de uma pessoa, então a história de vida de Adoniran se confunde com sua obra.

A pessoa de João Rubinato narra o que o artista Adoniran vê nas mudanças da metróple, e fala por seu grupo, na visão dos excluídos, então, apesar de parecer antigo é moderno, pois trata-se de vozes de pessoas que se identificam com a São Paulo em algum período da história. O artista foi considerado por críticos como verdadeiro "retratista do cotidiano"e seu personagem Charutinho, no programa, se mostra o avesso do discurso oficial autocongratulatório que legitimava "nossa gente laboriosa".

O espaço da metrópole reflete o presente construtivista e produtivo, assim, a paisagem urbana se concebe num espaço homogêneo e rápido de circulação. O individual, qualitativo e heterogêneo são excluídos do espaço urbano, assim essse espaço não se oferece como suporte do passado, pois está voltado para o futuro.

"A fusão de Adoniran com os Demônios da Garoa e a percepção dos sons das ruas da cidade deu a obra a fotografia de Adoniran. Uma obra não é somente descritiva, é refletiva também, cheia de idéias sui generis de observação e de conclusões que ficam à beira da trajédia ou da comédia" (Zuza Homem de Melo).

Um artista inventa, antes e mais nada, sua própria personalidade, e ao fazer isso, Adoniran exprime toda a realidade paulistana numa polifonia de vozes.

Em Sampa, a sátira era social e não política como no Rio de Janeiro.

A Record queria atingir as camadas populares e Histórias das Malocas era como se fosse novela, com seu público fiél. O programa de rádio ironizava valores da ordem burguesa, permeado por um idealismo romântico. De um lado a metáfora do trabalho, da opressão, do peso de uma vida regrada pelo positivismo e de outro lado como metáfora do ócio, da liberdade, configurando-se como oposição aos padróes instituídos. Uma microresistência.

Se pensarmos que no momento a cultura dominante promete as benesses da sociedade de consumo e portanto da abundância, a maloca representa, antes de mais nada, o contraste visível e concreto a essa civilização moderna.

"Maloca onde a riqueza é...um jacá de vaziesa..., uma cesta de fome...e um pacote de gemido" (trecho do programa)

Para a autora Mirian Goldfeder "a favela é o último reduto da solidariedade social, ao mesmo tempo em que se cria um espaço para a discussão do antitrabalhismo, filosofia básica assumida por seus habitantes". Uma reflexão própria; será que esse (pré) conceito não ajuda a legitimar o mito que na favela só tem vagabundo ?

A valorização de uma microsociedade, de suas formas e valores romperia com as regras definidas pela ética dominante. Em seu fazer artístico a escrita ou as letras institucionalizadas não são relevantes, na medida que um cancionista produz a fala ao canto, mas não podendo prescindir a cultura oral, das representações do mundo que entre outros suportes, fixam em narrativas orais.

Noel Rosa disse, "O samba não se aprende em escolas como reprodução de conhecimento (uma alusão as escolas tradicionais). Ele é sentido. Quem vai a escola de samba não busca o que já não possua. O samba habita aquele que o deseja, não nasce nem no morro nem na cidade"

Certeau e Giard dizem que " devemos considerar a cultura como ela é praticada, não naquilo que é valorizado pela representação oficial, é a oralidade que junto com a criatividade, prática e os atos da vida cotidiana que a sustentam e a organizam. Isto é cultura popular, uma (re)apropriação da ordem dominante".

Dentre as várias músicas de Adoniran que fizeram sucesso está: Saudosa Maloca, Trem das Onze, Iracema, Samba do Arnesto, Um samba no bexiga (esse samba deixa claro as raíses italianas do bairro, quando fala de um bate boca que aconteceu no bar em que "voava a pizza junto com as bracholas"), todas deixam claro o momento em que a música quer retratar, e o grupo social predominante que o artista pertence.

Em minhas pesquisas sobre história cultural, me deparei com uma frase de Michel Foucault em que ele diz; "A representação social não é uma cópia do real, mas uma construção feita à partir dela".

Acho que esta frase consegue explicar com exatidão como entender a representação social.

Aqui o link de Adoniran e Elis Regina cantando em um bar no bairro do Bexiga em 1978.

http://www.youtube.com/watch?v=Ea5nMXIRxQM