19 de jun. de 2010

Nas asas do tempo, a tristeza voa. (Jean de La Fontaine)


Quem, nos dias atuais, não sente tristeza. Quantas vezes sentimos aquela dor aguda, que parece vir de dentro do peito. Um sentimento de derrota, vontade de sumir, chorar, acabar com a própria vida. Pode ser uma promoção que não veio, um candidato à grande amor perdido, uma pressão psicológica muito grande que muda nosso semblante e curva nossas costas. As vezes isto acontece. É normal. Assim como a alegria, a euforia e a vontade de gargalhar, o choro e a tristeza fazem parte da condição humana. A coisa pega quando ressignificada.
Ocorre que a representação social, que é uma construção ideológica do real, melhor amiga do capitalismo, representada por detentores dos meios de produção, também interferem diretamente na saúde pública.
Hoje qualquer tristeza é diagnosticada como depressão "necessitando de uma maior interferência médica e medicamentos específicos.Por mais absurdo que possa parecer a grande maioria dos médicos desconhecem quando há real necessidade de anti-depressivos. Por outro lado o próprio paciente quer ser diagnosticado como depressivo. A vulgarização da doença e a promessa de uma pílula da felicidade, a possibilidade de não mais sentir tristeza, tudo contribuiu para o aumento do número de depressivos no Brasil.
Não há dúvida que a depressão existe e aumenta, mas o diagnóstico é muito maior do que a realidade.
A tristeza pode até durar alguns dias, alguns meses em certos casos, mas vai diminuindo e passa. A depressão é mais profunda, o doente não reage no decorrer do tempo, pelo contrário, piora e somente com a intervenção de medicamentos e acompanhamento médico é que se obtém a melhora. Um é diferente do outro. Correndo por fora há os laboratórios farmacêuticos que proporcionam muitos benefícios aos médicos. Pagam passagens, almoço, brindes, big cestas de fim de ano e o médico, meio que sem querer querendo, começa a fazer o jogo receitando o que eles querem. O suborno é subliminar. Assim se o paciente chega ao consultório se queixando de insônia, o médico que deveria indicar métodos alternativos de relaxamento, acaba por receitar um medicamento. É mais fácil tanto para o médico quanto para o paciente. "Os psiquiatras, completamente aptos a ministrarem tal medicamento são os que menos prescrevem.  Eles buscam a causa original da tristeza, que nos casos de verdadeira depressão geralmente têm raízes na infância. Mas mexer na infância é muito doloroso. Não têm remédio para isso. Precisa de terapia, de análise, mas as pessoas não querem fazer, não querem mexer nas feridas" (Miguel Chalub - Psiquiatra Prof. UFRJ e UERJ).
O desamparo e isolamento crescente e muito rápido é resultado da dinâmica do cotidiano e a falta de tempo para adaptação do novo.  
O que fazer, jogar tudo pro alto e ir morar na Jamaica queimando erva o dia todo? Não. É aprender a lidar com sentimentos ruins também. São inerentes à condição humana. É aprender a enfrentar os problemas ciente de que vai passar.
Nas asas do tempo, a tristeza voa. (Jean de La Fontaine)


  

11 de jun. de 2010

Fabliaux - Literatura como narrativa do cotidiano


Para um historiador qualquer fonte de pesquisa pode trazer à luz fatos, muitas vezes tido como corriqueiro, mas com grande potencial para uma narrativa cotidiana.
Os fabliaux foram redigidos entre os séculos XIII e XIV, período em que nasce a literatura de narrativa curta, tratando-se de estórias cotidianas que traziam, em seu conteúdo a causa e a conseqüência, um exemplo a seguir, uma moral da história para instruir e divertir.
Nas estórias ocorriam situações próximas das reais, e este era o grande atrativo dos fabliaux, assim, durante a leitura é possível identificar aspectos da mentalidade e dos costumes do momento, sendo as estórias provavelmente contadas em ambientes domésticos ou públicos, sugerem que tanto a linguagem quanto as situações eram naturalmente aceitas.
A igreja pregava regras de conduta de como deveria ser a relação dos corpos, masculino e feminino, insinuando que a mulher se difere do homem em seu poder de sedução, assim deveria ser controlada e educada para subserviência masculina, detentora da ordem social.
Porém os fabliaux nos mostram que na intimidade a mulher era muito mais atuante e dissimulada, como na estória em que a donzela engana o pai, fingindo odiar homens e engana o jovem servo se fingindo de donzela, mas seduzindo o mesmo.
Um relato verdadeiro foi transcrito pelo futuro Papa Bento XII de uma camponesa de vinte e dois anos que confessa, provavelmente sob pressão, suas relações extraconjugais, consentidas pelo marido, com um padre primo de sua mãe. Para a camponesa não era pecado porque tanto ela quanto o padre queriam.
Fato é que a grande maioria das mulheres eram castigadas e maltratadas pelos maridos. A recomendação se fazia quanto à cura das chagas abertas.
Um exemplo se dá em um fabliaux com relação à violência sofrida pela mulher: A esposa, por prazer, contra diz as ordens do marido e este ”...com bastão de espinhos castigou-a tanto que quase a matou. Ela ficou deitada por mais de três meses sem poder sentar a mesa. E lá o conde a fez sarar”.


A donzela que não podia ouvir falar de foder


Era uma vez uma donzela muito orgulhosa e rebelde. Se ela ouvisse alguém “falar de foder” ou algo semelhante, ficava com um ar muito ofendido. Ela era a única filha de um bom homem, um rico camponês que não tinha nenhum servo em sua casa porque a moça não suportava ouvir esse tipo de conversa típica de servos. Ela “...nunca poderia suportar / que um servo falasse de foder / de caralho, colhões ou coisa semelhante” (Fabliaux, 1997: 63).
Um belo dia, um jovem velhaco de nome David chegou àquela aldeia e ouviu falar da filha que odiava os homens. Decidiu então conferir a curiosa estória, oferecendo seus préstimos: disse que sabia lavrar, semear, debulhar o trigo e peneirar. O camponês agradeceu, mas respondeu que tinha uma filha que sentia tanta náusea das coisas obscenas que os homens conversam que não poderia aceitar sua oferta. David fingiu ser um homem temente a Deus e clamou pelo Espírito Santo. Ao ouvir suas palavras, a filha do rico camponês pediu ao pai que contratasse o rapaz, pois ele compartilhava suas idéias.
Houve então uma grande festa para comemorar a contratação do “servo beato”. Quando chegou a hora de dormir, o bronco camponês perguntou à filha onde David descansaria: “Senhor, se isso vos agrada / ele pode dormir comigo / ele parece ser de confiança / e ter estado em casas nobres” (Fabliaux, 1997: 67).
O ingênuo pai concordou. A donzela era muito graciosa e bela, e o servo, matreiro, logo colocou sua mão direita nos alvos seios da moça, depois em seu ventre e seu sexo, sempre perguntando à donzela o que era aquilo que tocava: “David desceu a mão / direto à fenda, sob o ventre / onde o pau entra no corpo / e sentiu os pêlos que despontavam / ainda macios e suaves (...)”. E perguntou:
Por boa fé, senhora, disse David (...)
o que é isto no meio do prado
esta fossa suave e plena?
Disse ela: é a minha fonte
que ainda não brotou.
E o que é isto aqui ao lado /
disse David, nesta guarita?
É o tocador de trompa que a guarda
responde a jovem, verdadeiramente
se um bicho entrasse no meu prado
para beber na fonte clara
o vigia tocava logo o corno
para lhe fazer vergonha e medo. (
Fabliaux, 1997: 68)
A seguir, a jovem virgem decidiu ousar e passou a tomar a iniciativa, apalpando igualmente o servo beato. O poema compara o pênis a um potro e os testículos a dois marechais. A donzela pede então que o belo potro do jovem paste em seu prado. David teme que o “tocador de trompa” da moça – provavelmente uma metáfora ao clitóris feminino – faça barulho, isto é, que a jovem grite de dor e prazer. Ela responde: “Se ele disser mal / batê-lo-ão os marechais. / David responde: Muito bem dito.”
E assim a jovem virgem e falsa pudica “foi derrubada quatro vezes”, “...e se o tocador de corno troou / foi batido pelos dois gêmeos / Com esta palavra termina o fabliau.” (Fabliaux, 1997: 70)


3 de jun. de 2010

Desumanização tecnológica

Há algum tempo venho observando o movimento frenético do mundo. São países tratando com outros países de maneira muito cuidadosa para não haver palavras ou mal entendidos que possam prejudicar o livre comércio globalizado, intermediários (como a ONU), cuidando para que todos permaneçam em paz, uma busca alucinada em somar capital ($) e se manter ou obter poder, manipulação das verdades e uma crescente população cada vez mais passível de convencimento, seguindo calada. 

O capitalismo necessita de renovação constante, novos produtos que seduzam o consumidor fazendo com que este se sinta o último dos mortais por ainda não possuir o produto novo. Este mecanismo necessita de muita mão-de-obra e novas tecnologias que tragam maior rapidez e "vantagens" para o consumidor.

Durante muitos anos buscava-se trabalhadores para fábricas, dispostos a ficar horas repetindo o mesmo movimento em máquinas capazes de produzir centenas de produtos iguais em uma única tarde. As máquinas também evoluíram e necessitaram de mão-de-obra especializada para operá-las, mas para isso o domínio da matemática é fundamental. 
Atualmente, nas redes públicas, o professor de matemática é o mais pressionado a apresentar um bom desenvolvimento nas provas do ENEM. Constataram (e descobriram a pólvora) que o método de ensino de matemática não está funcionando. Ora, não funciona a muito tempo, não havia investimento nem interesse econômico para que funcionasse, estava ali, na grade de aulas, nada mais.

Durante a era Vargas, o caráter doutrinário que o momento exigia, fazia com que as aulas de história fossem muito valorizadas, hoje, por determinação da LDB (Leis de Diretrizes e Bases), o aluno poderá escolher, no ensino médio, o curso que quer fazer. Não sou contra, de maneira nenhuma, que haja melhora para o entendimento da matemática ou qualquer outra disciplina de exatas, o que me chamou atenção é o fato de a área de humana estar sendo posta de lado dando lugar a humanos robotizados, técnicos concentrados em seus números e soluções, e cada vez menos social. 

Buscando a globalização as pessoas se individualizam. Estranho isso

Tive essa percepção quando assistia ao economista Carlos Alberto Sardenberg afirmar que um número muito maior de estudantes, comparados ao Brasil, buscavam a área de exatas, portanto, maior significado para o PIB nacional.
Como querer a globalização sem entender outras culturas ? Como abandonar a filosofia, a antropologia, a história , a arte para compreender o outro, respeitar sua forma de pensar, de agir, como conhecer uma Guerra, suas razões e consequências? Governos populistas, fascistas,   ditadores, como ?
Há uma dicotomia entre "todos nós" e "só nós", entre o mundo todo e nossa cultura, pois, ao mesmo tempo que se tem curiosidade e desejo de se relacionar com o outro há um receio da homogenização, daí a xenofobia. 

A violência, as fobias tão presentes atualmente, intolerância são reflexos do homem contemporâneo. O homem não está feliz.

A suspensão progressiva e silenciosa da área de humanas no ensino público pode realmente ser perigosa a longo prazo, mas há uma luz no fim do túnel; 

Do Portal Aprendiz: A Comissão de Educação e Cultura aprovou no último dia 28 o Projeto de Lei 4651/09, do deputado Gilmar Machado (PT-MG), que torna obrigatório o ensino de História em todas as séries do ensino médio. A proposta, que altera a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), estabelece ainda que o ensino de História do Brasil levará em conta as contribuições das diferentes culturas e etnias que foram o povo brasileiro.

A História esclarece muitas coisas e alerta para muitas outras. Talvez um dos últimos espelhos para o homem se ver como humano.


Manda quem pode. Obedece (ou não) quem tem juízo.

Filme que mostra chacina de mendigos é boicotado pela crítica.
por Fausto Barreira
Baseado em fatos reais, o filme desvenda um fato pouco conhecido: a “Operação mata-mendigos”, que ocorreu no RJ entre 1962 e 1963. O filme, muito atual, mostra o governo, a imprensa e interesses imobiliários por trás dos assassinatos dos moradores de rua. Como se vê, a política de “higienização” das grandes cidades é antiga.
Assisti numa sala pequena, no único horário da tarde, ao filme “Topografia de um Desnudo”. O filme dirigido por Teresa Aguiar baseia-se numa peça de teatro do chileno Jorge Díaz e não teve nenhuma menção de críticos na grande imprensa. Trata-se da adaptação de uma peça de teatro e versa sobre o massacre de moradores de rua no governo de Carlos Lacerda (um dos líderes civis do golpe de 1964) entre os anos de 1962 e 1963.
Teresa Aguiar é diretora de teatro em Campinas. No final da década de 1970, assistiu a uma peça, em um festival universitário da Colômbia. Há vinte anos ela resolveu transformar a ideia da peça em um projeto de cinema e hoje, aos quase setenta anos, apresenta seu primeiro longa metragem: “Topografia de um Desnudo”.
Rio de Janeiro, anos 1960. A cidade se prepara para receber a visita da rainha Elizabeth. Num clima de tensão social e política que antecede o golpe militar, uma jornalista investiga a morte de moradores de rua e se envolve num perigoso jogo de interesses. Baseado em fatos reais, desvenda um lado pouco conhecido da História: a “Operação mata-mendigos” que ocorreu no Rio de Janeiro entre 1962 e 1963 e um dos motivos era a necessidade de “limpar” a cidade para a visita da rainha.
No filme, a diretora expõe o intrincado jogo do governo do estado da Guanabara, de setores da imprensa e de especuladores imobiliários interessados em um grande empreendimento num lixão onde habitavam moradores de rua. Intercalando cenas realistas com imagens oníricas, Teresa Aguiar conseguiu criar um painel convincente das articulações e dos crimes da elite carioca, ao mesmo tempo em que soube dar muita humanidade aos personagens dos moradores de rua.
Com atores importantes como Lima Duarte, Gracindo Júnior e José de Abreu o filme foi massacrado. Segundo um dos poucos espectadores presentes na plateia, o qual participou das filmagens há alguns anos, o filme, nessa época, já estava sendo feito há dez anos e não conseguia nenhum patrocínio, apesar de ter sido aprovado pela Lei Rouanet. Vê-se por aí como funciona a censura do capital.
O filme é atualíssimo, pois mostra a gênese dos programas de “higienização” das grandes cidades brasileiras, que têm como expoentes Gilberto Kassab em São Paulo e Eduardo Paes no Rio de Janeiro, nos quais as populações pobres são expulsas de locais que interessam aos planos de “revitalização”, ou seja, à especulação imobiliária.
Sabe-se também que por trás do mensalão do DEM do Distrito Federal está o vice-governador, Paulo Otávio, dono do jornal Correio Brasiliense e da maior construtora de Brasília.
Pode-se assistir ao trailler do filme no YouTube.