28 de jan. de 2010

O Correio Braziliense na Imprensa do Brasil

Em meados do século XIV o livro passava por três censuras: a episcopal exercida pela igreja , a da inquisição e a régia exercida por desembargadores do Desembargo do Paço.

Nos fins do século XVIII inicia-se o surgimento de bibliotecas particulares, mesmo sabendo que era um ato de crime, estudantes que iam para Europa, traziam livros de forma clandestina e perigosa. Com essa prática o volume de livros comercializados aumenta e faz surgir obras heterodoxas como Montesquie, coleção das Leis dos EUA, A Revolução (de Volney), Dicionário Filosófico(de Voltaire), entre outros.

Quase todos os livreiros de Lisboa eram franceses e fundavam casas (tipo cafés) pondo em circulação todas as publicações modernas. Houve um livreiro que introduziu mais de doze mil exemplares da Constituição Francesa em Portugal.

Papeis, revistas e livros circulavam no país por meio de marinheiros ingleses que traziam pelo cais.

No Brasil, os livros eram vistos com extrema desconfiança, só natural nas mãos de religiosos, bibliotecas apenas em mosteiros e colégios.

Com a Abertura dos Portos em 1808, por ordem da Corte Real que chegara naquele ano, os livros passaram a entrar em maior volume, mesmo com uma maior vigilância em relação aos livros que entravam pelo cais.

O Brasil não tinha universidades e era um dos únicos no mundo, exceto a África e a Ásia que não produzia a palavra impressa e uma das poucas tentativas esbarrava na intransigência das autoridades portuguesas. O escravismo dominante era avesso a cultura. Antes de 1808 houveram duas tentativas de se implantar tipografias para impressão, mas foram abafadas pela Corte, que temia ideias contrárias a Monarquia. O problema é que neste período na Europa, as ideias liberalistas já tomavam conta de vários países como EUA, e França.
Portugal como Pais monárquico não convinha o liberalismo , pois entraria em choque direto com a legitimidade dos reis A ignorância era necessária ao colonizador.


As mudanças ocorrem com a chegada da Família Real, que promoveu a Abertura dos Portos fazendo o comércio florecer.

Como a França havia invadido Portugal, a necessidade de sobrevivência da Corte em território brasileiro levou a criação de uma indústria de base como fábricas de pólvora, ferro e vidro e a necessidade de mostrar os Atos de Governo e notícias interessantes a colônia, logo após a chegada do Rei , se implanta a imprensa régia.


Neste contexto surge o Correio Braziliense.

Hipólito José a Costa Mendonça Furtado, nascido em 1764 na colonia de Sacramento, na Cisplatina, crescera no Rio Grande do Sul, em Pelotas, oriundo de familia rica.

Como todos os jovens da elite, partira para Coimbra para estudar, formando-se em 1794, então com 30 anos.

Em 1798, fora aos Estados Unidos em missão especial do governo português para escolher sementes e espionar os avanços tecnológicos. Morou lá por 2 anos e pode ver com os próprios olhos uma sociedade organizada, com universidades e um processo eleitoral adiantado.

Lá se envolveu com a maçonaria, cujo os ritos pressupunham a liberdade religiosa, o que Portugal não permitia.

Volta a Lisboa em 1800 como funcionário de Imprensa Régia, responsável pela publicação de livros de técnicas e economia. Paralelo ao seu trabalho, se envolvia mais ainda com a maçonaria portuguesa. Uma viagem especial a Londres o poria em contato com a maçonaria inglesa, até então a mais forte e importante do mundo, da qual eram membros os filhos do Rei Jorge III, e de um deles (Conde de Sussex- Augusto Frederico) Hipólito se torna grande amigo.

Foi por conta desses contatos novos que fez em Londres que logo depois de chegar a Portugal, é preso pelo Santo Ofício, só conseguindo a liberdade quando foge da prisão em 1805.

Volta a Londres e sobrevive graças a ajuda dos amigos maçons. No começo se virou como tradutor e professor de português.

Com a chegada da Família Real, que fugia da perseguição napoleônica aos Reis, Hipólito viu a oportunidade da colônia crescer, e buscando esse crescimento cria a palavra impressa e livre de censura, tal como vira nas países europeus.

Observou que na Inglaterra a monarquia constitucional era um fato, onde o parlamento, realmente limitava o poder do rei, onde a imprensa era livre e por ser amigo do Conde de Sussex, sentia-se à vontade para criticar a administração portuguesa como nenhum outro português ousaria fazer.

Esses fatos o motivaram a publicar em Londres, no dia 1° de Junho de 1808, o Correio Braziliense ou Armazém Literário.

Numa época em que o acesso a educação era restrito, a imprensa se firmava como difusor de novas ideias. O jornalista se confundia com educador.

O jornal tinha o tamanho e o formato de um livro, composto de vários e longos artigos, com informações analíticas e textos que as vezes se prolongavam por vários números seguidos.
Era assim o Correio Braziliense; cada número tinha cerca de cem páginas e dividido nas seções: Política, Comércio e Arte, Literatura e Ciência, Miscelânea a eventualmente Correspondência.

Na Miscelânea havia as Reflexões do Mês, que ao serem resenhadas incluíam suas observações e críticas, e foi neste espaço que, de forma organizada e consistente, pensa em seu projeto para o Brasil, por isso, tanto para a história da imprensa, quanto para a história do Brasil, é a parte mais importante do Correio.

A maior parte do jornal era dedicada a publicações de documentos de acontecimentos mundiais, além de notícias que ele recolhia nas Gazetas internacionais.

Era o noticiário mais atualizado possível e de fato, foi através do Correio que os brasileiros puderam acompanhar a trajetória de Napoleão e sua derrota, a Independência das colônias espanholas na América; e as fontes eram as melhores possíveis, pois, é bem provável que as informações fossem relatadas pelos próprios libertadores (Miranda, Bolívar, San Martin e O'Higgens) dos quais, por meio da maçonaria, se tornou amigo.
Mesmo cobrindo fatos internacionais, era o Brasil seu público alvo e seu possível público leitor.
Se colocava contra os monopólios que impediam o desenvolvimento do comércio e da indústria e à favor das transparências nas obras públicas. Não era democrata, queria reformas feitas pelo governo e não pelo povo. Acreditava que como viu na Inglaterra, a monarquia constitucional era o melhor governo possível.

Com a vinda da Corte e uma maior circulação de ideias, paralelo a ascensão da burguesia, as conversas políticas com relação a monarquia aumentaram.

Entre os historiadores há uma polêmica no que diz respeito a sua influência nas mentalidades brasileiras e quanto a ser o primeiro periódico no Brasil.

Não podemos esquecer que Hipólito era filhos de estancieiros ricos do Sul, portanto fazia parte de uma elite agrária ; era à favor de uma Monarquia Parlamentar, como na Inglaterra, e não da República, assim sendo, apoiou a escravidão, ficou ao lado da Corte quando Portugal tentou recolonizar o Brasil, mas em compensação, apesar de não ser produzido no país, o Jornal foi o único que conseguiu apontar as falhas na administração brasileira.

O termo correto seria periódico, pois se parecia mais como uma revista mensal do que com um jornal.

Quem mais se assemelhava a um jornal era a Gazeta do Rio de Janeiro, fundada em 10 de Dezembro de 1808, "irmã" da Gazeta de Lisboa.

Desnecessário dizer que se tratava da imprensa régia trazendo decretos, fatos relacionados com a Família Real, noticiário internacional, filtrado pela censura, sua periodicidade era curta, intensão informativa, poucas falas e preço baixo.

Nelson Werneck Sodré, autor de várias obras indispensáveis para quem quer entender a imprensa, diz que "nada tem de extraordinário o aparecimento do Correio Braziliense, pois sua influência foi relativa na medida em que sua forma de fazer imprensa era inadequada dentro do contexto político-social que o Brasil se encontrava; era pouco lido (mais repassado boca-a-boca) e quando surge as condições adequadas para o aparecimento da imprensa, o Correio perde a razão de ser, a elite da qual Hipólito fazia parte, aceitou a Independência e o Correio deixa de circular". É difícil considerá-lo como Imprensa Brasileira, uma vez que eram produzidos em Londres e a única condição pra isso é o fato de visarem as pessoas influentes do Brasil. Seu objetivo era atingir ao Brasil como público leitor, mas o fato de sua produção ser em Londres esclarece a dificuldade de condições políticas para se estabelecer a imprensa".

Quando ocorre a Revolução o Porto e obriga o Rei a regressar, ameaçado de perder a Coroa, inicia-se várias medidas legais para tornar o Brasil novamente dependente de Portugal, então Hipólito passa a ser completamente contrário a ideia, torna-se novamente oposição e inicia um diálogo entre o Correio e os liberais do Brasil.

"A elite colonial não queria a imprensa por temer a independência ou para não interferir num sistema econômico já vigente e cômodo. A conquista anterior fica em perigo e o perigo une; para unir é preciso mobilizar e para isso é necessário despertar opiniões, e para despertar opiniões é preciso a imprensa." ( Nelson Werneck Sodré)

A partir de 1821 a Gazeta passa a defender o liberalismo e a modernidade política, posiciona-se a favor da Independência antes do Correio que levava desvantagem pela distância e pela demora do periódico.

O jornal que foi fundado em 1° de Junho de 1808, publica seu último exemplar em Novembro de 1822. Teve 175 números editados, no total.

Hipólito morre em 11 de Setembro de 1823 de infecção intestinal, na época Cônsul Geral do Brasil.

Para a elite da qual ele fazia parte, a monarquia era cômoda, então Hipólito era somente contra a administração, não contra a monarquia. Quando o livre comércio se vê em risco, subjugado à metrópole, deixa sua postura monarquista e mesmo contra seus princípios apoia a Independência. Quando esta surge, o jornal deixa a razão de ser.

O que fica de legado do Correio Braziliense, e talvez o maior legado, é a riqueza de detalhes que o jornal conta em cada exemplar.

Para os historiadores é a riqueza de detalhes dos textos e documentos que nos dá condições reais de estudarmos a época e seus acontecimentos.

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