29 de set. de 2010

Um pouco de História: Os Árabes Muçulmanos


Quando pensamos no mundo árabe o que vem a cabeça...terrorismo, burca, mulheres multiladas, mas será que o mundo árabe é somente isso? Creio que não. Porém nem todos se dão conta que quase todos os árabes são muçulmanos, mas nem todo muçulmano é árabe.
A religião muçulmana nasceu na Arábia pela pregação do profeta Maomé no séc. VII da nossa era, mas depois atingiu regiões mais distantes como a China, Índia, Afeganistão, Irã, Turquia e grande parte da África negra.
A península arábica possui um clima desértico fazendo os povos beduínos locomover-se em busca de novas pastagens. 
Antes do surgimento da civilização islamica, o povo árabe estava dividido em dois grandes grupos: os árabes do deserto, habitando o interior da península e os árabes das cidades a sudoeste da península. A unidade estava na língua, pois as tribos eram o fundamento da vida social e política e cada tribo se identificava com um bairros compacto e isolado dos outros unidos pela solidariedade, assim, a segurança de cada um é uma questão de interesse coletivo. As tribos se uniam para vingar uma agressão ou ofensa contribuindo para, de um lado reforçar laços de união entre seus membros, mas de outro acentuava o particularismo.
A Palestina estava ligada ao Iêmem por uma rota comercial o que atraía beduínos de toda a região, conhecida como "a rota de Sabá". No caminho desta rota, com objetivo de atrair mais beduínos, cidades construiam templos de adoração para os deuses de cada tribo, as "Casas de Deus" e promoviam feiras anuais quando ocorria a trégua entre as tribos, necessária para as transações comerciais.
Iatreb uma das cidades principais torna-se basicamente agrária, enquanto Meca se torna comercial. Em Meca se encontra a Caaba, provavelmente um meteorito que atraia uma enorme leva de peregrinos.


Maomé nasceu em Meca, provavelmente em 570, da tribo dos coaxitas, ficou órfão muito cedo e foi criado por um tio, iniciando comércio nas caravanas. Em suas viagens entre a Síria e Palestina, Maomé tomou contato com as grandes religiões monoteístas da época: o judaísmo e o cristianismo. Na Pérsia, ele conheceu o masdeísmo. Com quase quarenta anos inicia sua peregrinação religiosa numa síntese dos princípios da religião judaica, cristã e masdeísta misturada a um conjunto de práticas extraídas dos costumes religiosos árabes. 
Assentada num monoteísmo absoluto, a religião islâmica impõe a todo convertido a obrigação de se sujeitar   à vontade divina e afirmação da fé por cinco práticas fundamentais: 
- chahada  - o fiel muçulmano deve recitar a fórmula :  "o único Deus é Aláh, e Maomé o único profeta", tendo plena consciência do significado e das implicações desta expressão.
- salat -  preces públicas e coletivas, obrigatórias, são orações feitas em Mesquitas onde um certo número de gestos são feitos com o rosto voltado à Meca. Este ritual por ser feito em templos garante uma certa unidade social e política, inexistente nas tribos.
- zakat - imposto destinado aos pobres, administrado por órgãos públicos centralizava as contribuições dando mais autonomia a cidade.
- ramadãn - ritual de jejum onde nada é ingerido durante o dia.
- hajj - onde pelo menos uma vez na vida o fiel deveria fazer uma peregrinação a Meca (caso tenha condições para isso).
Complementando os preceitos de fé contidos no Alcorão, existe a sunna, lei oral do Islão, que foi organizada pelos "Doutores da Fé" após a morte do profeta. A sunna estabelece bases e normas tradicionais da jurisprudência da nova sociedade islâmica. Um desses princípios afirma a necessidade de combate aos infiéis por meio da Guerra Santa.ou djihad, onde todo fiél deveria converter os infiéis ao islamismo.
Fazendo um paralelo com Roma do mesmo período, o Papa e a igreja católica exerciam forte influência no império e suas fronteiras já estavam frágeis devido a constantes invasões.
Com a morte de Maomé os membros mais influentes da cidade escolhem um califa parente de Maomé para ficar em seu lugar. Brigas internas a parte, a liderança ficou com os Omíadas originários de Meca. A expansão árabe se estende por vários paises, porém, ao contrário do Império Romano, os árabes mantinham a cultura local das cidades invadidas, possuiam um centro atrativo para estudantes de todas as partes do Islã,  criaram uma escola de tradutores onde obras gregas já traduzidas em siríaco, copta,e hebraico eram traduzidas para o árabe. Os professores e mestres deveria ter estilo erudito porém sem  pedantismo, enquanto em Roma o fato de falar latim já diferenciava a pessoa dos demais, um status social. Observe as diferenças.
Um grande contraste se dá quando comparamos de 766 a 809 quando houve, no apogeu da civilização islâmica, o refinamento da cultura e o florescimento das artes e das letras, enquanto no mesmo período Carlos Magno buscava o renascimento carolíngio voltado as imposições da igreja. Uma cultura investia, também, na razão e outra ao culto, ao mito e aos medos.
O islamismo é uma das maiores religiões do mundo, se não me engano a segunda, perdendo apenas para o catolicismo em números de fieis. Mas o que fez tantas pessoas aderirem ao islamismo? A resposta está na dificuldade em se ler a bíblia e interpretá-la, pois neste momento apenas os padres sabiam ler, e as missas  rezadas em latim, o que dificultava ainda mais o entendimento dos cristãos, assim, a população ficava a mercê das interpretações pessoais dos párocos. Além desses fatores, os impostos seriam menores para aquele que falasse a língua árabe. A moeda de maior circulação era cunhada com inscrições em árabe, assim, em forma de  símbolos e com benefícios, sem usar a violência (apenas quando necessário) a expansão árabe cooptou adeptos de várias regiões vindos por livre e espontânea vontade. Para finalizar este post  puxo uma reflexão: o ocidente foi mesmo o berço da civilização ? Não será essa  uma construção europeia numa negativa à sabedoria oriental, que ao contrário de queimar livros, numa tentativa de reter as ideias, assimilava o melhor das culturas conquistadas ?
É fato que o radicalismo islâmico vindo dos descendentes do profeta, exacerba toda nossa tolerância cultural de respeito ao próximo. Não tenho um conhecimento muito profundo sobre o islamismo e também não é o foco do post. A grande questão são os avanços científicos encontrados nos árabes como o profundo conhecimento em astronomia, farmácia, as descobertas em trigonometria, a arte ornamental dos arabescos...


" Não devemos nos envergonhar de admitir a verdade de qualquer fonte que nos venha, mesmo que seja trazida por gerações anteriores e povos estrangeiros. Para aquele que busca a verdade , nada há de mais valioso que a própria verdade" ( Al- Kindi- 801 - 866) - introdutor da História da Filosofia Islâmica. 


23 de set. de 2010

Alguma coisa acontece no meu coração...

Agora em definitivo, estou de volta a São Paulo, depois de 10 anos morando no interior paulistano. Antes de mais nada, queria agradecer, de coração, aos grandes amigos que fiz nesta região. Pessoas muito especiais, de profunda relevância para meu amadurecimento pessoal. Sou historiadora cultural, portanto, todas as diferentes culturas me interessam. Conhecer o interior e suas particularidades enriqueceu, e muito, minhas experiências pessoais que serão aplicadas em minha vida acadêmica. Garanto apenas que são pessoas muito bacanas, inteligentes que têm muito a oferecer e ensinar aos moradores das grandes metrópoles. Um dia ainda pretendo voltar a morar lá, no interior paulista.
Depois de uma breve adaptação e uma mega correria para colocar as crianças na escola, em pleno fim de ano, pude finalmente dedicar uma tarde pra mim. Pensa que a vida é fácil?
Fui à FAAP (Fundação Armando Alvares Penteado), próximo ao Estádio do Pacaembu para ver a exposição de Nelson Leirner e outros artistas. Fui empolgadíssima, pois, sei que pelo estilo dos artistas que expunham, os happenings são de praxe. Seguindo esse conceito, a arte tem que interagir com o público, sendo assim, eu participaria de tudo exposto. Fiquei alucinada com essa possibilidade.
Logo no saguão deparamos com várias estátuas de Aleijadinho, mais precisamente "Os Profetas". Fantástico.


Depois de vislumbrar tanta beleza, achei a sala que queria ir, mas fui direcionada para o lado oposto à sala para guardar minha bolsa no guarda volumes, abriu-se uma porta de vidro automática que me deixou num a sala muito escura de frente a uma obra semelhante a uma cascata, porém, de letras. A exposição se trata de "Memórias Reveladas" unindo a arte e tecnologia, de maneira lúdica e interativa. Quase tudo em 3D. Fazia tempo que eu, sozinha, não me divertia tanto. 
A cascata de letras, simplesmente me seduziu. Quando entrei, vi nomes de artistas, teóricos e participantes do circuito das artes descendo a parede em forma de cascata, depois escorrendo pelo chão até chegar aos  meus pés, comecei a andar e "entrar" neste rio cada vez mais pra dentro, e quando percebi estava de frente com a parede, completamente absorvida naquele universo diferente. Parecia um transe., um estado de hipnose. Não sei explicar mas essa cascata mudou alguma coisa dentro de mim. Peço perdão ao artista por não poder dizer agora seu nome, não anotei, mas prometo pesquisar e lhe dar os merecidos créditos.
No teatro, havia trechos de peças em hologramas, protagonizadas por Marília Pêra, Eva Vilma entre outros. Tinhamos a impressão de estar numa sala de teatro vendo o(a) protagonista de verdade e ao vivo. A tecnologia voltada para o bem faz coisas inacreditáveis. 
Fui a exposição "Tékhne" que em Grego significa Arte, maestria, destreza. Seria capaz de contar cada obra que vi, mas acho que as experiências são únicas e individuais, sendo assim, aconselho todos a prestigiarem tais eventos.
Havia uma sala escura, bem escura, apenas com uma projeção de uma imagem distorcida direcionada a um chumaço de algodão, porém, colocando a palma da mão entre a projeção e o chumaço de algodão, aparecia a imagem de uma pessoa nadando, na palma de nossa mão e ao fundo, propositalmente, um som de oceano, de ondas chegando na praia. Outra obra era uma cama gigantesca onde deitada eu olhava um espelho pendurado no teto com projeções de várias imagens, como o Globo terrestre ou conchas coloridas sendo minha imagem inserida neste universo. Percebe como o espectador faz parte da obra. Tudo isso não seria possível sem Marcel Duchamp.

Infelizmente nada vi de Nelson Leirner, ele foi homenageado, porém não havia nenhuma obra sua. Particularmente achei um pecado isso, mas enfim. Fiquei mais de três horas indo e vindo dentro do MAB (Museu de Arte Brasileira)- FAAP, cansei de andar, mas valeu muuuito. Fantástico. As exposições estão de parabéns. Eu recomendo.


Visitei depois o Museu da África, mas esta história fica para a próxima postagem.

1 de ago. de 2010

A Arte Grita


Tenho estado um pouco sumida do blog e outros lugares da internet por pura falta de tempo. Tenho andado bastante ocupada, mas nem por isso deixo de ler meus livros. O meu livro de cabeceira, ultimamente, têm sido "A arte não arte" de Tadeu Chiarelli sobre o artista plástico Nelson Leirner.

Sou uma pessoa muito xereta, escrevo no blog dos outros, dou palpites no pensamento alheio por meio de comentários, escrevo pra pessoas que não conheço, enfim, uma verdadeira entrona. Mas as vezes dá certo, tanto que foi por meio de um e-mail que consegui com que o Dr. Roberto Bíscaro - AlbinoIncoerent - que defende as causas albinas (http://www.albinoincoerente.com/) fosse entrevistado no Programa do Jô, onde  pôde, para o mundo todo, expor suas reivindicações. Tanto dá certo ser enxerido que buscando informações sobre Nelson Leirner achei um site muito bom, com espaço para comentários e contato. Sabe quem me respondeu, o próprio. Daí, papo vai papo vem, ele me enviou este livro, que me referi no início da postagem. Presente do próprio artista, com dedicatória. Fiquei realmente emocionada. Mas voltando ao assunto e "devorando" o presente, percebi que como recém formada em História, eu não sei nada de História. São tantos caminhos diferentes, tantas ideias que se complementam e se entrecruzam e se contradizem que duas encarnações será pouco, com agravante que na segunda encarnação a História já triplicou, então nunca vou saber o que pra mim seria suficiente. Ainda bem, pois, o comodismo limita o desenvolvimento. 

A arte, que venho estudando já a alguns meses, dentro das mudanças culturais e de pensamentos, é a primeira que grita. Ela explode em forma de expressões que traduzem um momento de mudanças. O dadaísmo surge num momento assim, onde todos envolvidos na Primeira Guerra Mundial, buscavam explicações racionais que traduzissem o motivo de tanta carnificina. Onde fica a poesia ? Onde fica aquela pintura que tinha, entre outras funções ser filosófica, religiosa, moral. Nada fazia sentido.
Tristan Tzara, chefe do movimento Dadá que reunia poetas, pintores, escultores, filósofos, vendo desabar sistematicamente os pilares da vida da poesia e das artes, afirmava que a única saída possível seria a destruição da lógica, da moral, da literatura.
Surge verdadeiros patriarcas das artes como DuChamp, Salvador Dali, Man Ray, André Breton, entre outros. Seu objetivo era atacar a arte convencional e neste contexto se encaixa Leirner. 



Sem entrar em detalhes, mas analisando a arte como um território imenso de pesquisas, percebi que há varias formas de um artista se expressar. Uns falam de si, e se pensarmos que todos e cada um tem problemas semelhantes, falar de si é falar de todos. Outros tratam problemas mais abrangentes como no caso de Leirner que ataca diretamente as Instituições usando a Instituição para divulgar suas ideias. Fantástico.

Uma exposição atualmente no MAM demonstra claramente esse tipo de "fazer artístico" que se refere Michel De Certeau. No coletivo Superflex, artistas fizeram uma replica fiel do Mc Donalds, onde num vídeo, inundam a pseudo-lanchonete e deixam tudo flutuando, fazendo uma referencia ao  aquecimento global provocado pelo consumo desenfreado, resultado da industrialização.



Como o pai de Leirner é polonês e judeu, fui saber mais sobre a Polônia e o Leste Europeu e achei lá na Tcheco- Eslováquia a famosa passagem da Primavera de Praga, movimento que visava a democratização do socialismo existente no pais, reprimido à força de tanques do Pacto de Varsóvia, que estabelecia uma ajuda mútua em caso de agressões militares. 


Este movimento influenciou o mundo todo, principalmente os paises que não concordavam com as ideias socialistas e estavam sob seu julgo e paises que exigiam uma mudança de mentalidades. A repressão não podia continuar, pois de um lado o stalinismo, regime socialista autoritário de Stalin,de outro a ditadura militar inserida principalmente em paises em desenvolvimento como o Brasil apoiada pelos EUA capitalista. Neste momento a arte grita, já  está gritando na "voz" de Wesley Duke Lee, Hélio Oiticica, Nelson Leirner, na música de Novos Baianos e Tropicália, nas peças de teatro de Plínio Marcos e nos filmes de Glauber Rocha.



Daí eu volto a minha reflexão do início do post; não sei nada de História. Percebam que em volta do tema central há várias vertentes, lacunas que precisam ser preenchidas.

Ainda bem que não sei nada de História, assim, terei muito que fazer nos próximos anos.
  

22 de jul. de 2010

Arquivo Folha de São Paulo - Texto de 1959

Achei uma raridade de edições antigas da Folha Ilustrada, caderno do Jornal Folha de São Paulo. Foi um brinde do Jornal, oferecido aos assinantes, isso aconteceu na década de noventa. Olhando coisas antigas achei este caderno e resolvi colocar algumas publicações interessantes. O arquivo das edições é de 1960 a 1990. Muita história. Esta é divertida. 

Atiraram-se do ônibus ao verem caixão abrir-se

ROMA, junho - Dois jovens atiraram-se da capota de um ônibus em movimento ao verem erguer-se a tampa de um ataúde que o veículo, procedente de Roma transportava  à uma localidade próxima. 
O ônibus estava super lotado e em uma das paradas um operário, não havendo outro lugar, subiu à capota e sentou-se ao lado do caixão. Mas uma chuva repentina obrigou-o a procurar abrigo e ele não teve outro recurso senão entrar no caixão e baixar a tampa. Aí começou a história.
Na parada seguinte subiram dois jovens. Estes, também não havendo outra alternativa por falta de lugar no interior do ônibus, tomaram lugar na capota...perto do caixão.
Minutos depois, passada a chuva, o operário ergueu a tampa do ataúde para sair. Os dois jovens, ignorando o que se passava, aterrorizados, atiraram-se do ônibus, em pleno movimento. 
Ambos foram recolhidos ao Hospital Civil de Labano. (ANSA)

Texto transcrito do Jornal Folha de São Paulo 
Sexta-Feira, 19 de Junho de 1959

19 de jun. de 2010

Nas asas do tempo, a tristeza voa. (Jean de La Fontaine)


Quem, nos dias atuais, não sente tristeza. Quantas vezes sentimos aquela dor aguda, que parece vir de dentro do peito. Um sentimento de derrota, vontade de sumir, chorar, acabar com a própria vida. Pode ser uma promoção que não veio, um candidato à grande amor perdido, uma pressão psicológica muito grande que muda nosso semblante e curva nossas costas. As vezes isto acontece. É normal. Assim como a alegria, a euforia e a vontade de gargalhar, o choro e a tristeza fazem parte da condição humana. A coisa pega quando ressignificada.
Ocorre que a representação social, que é uma construção ideológica do real, melhor amiga do capitalismo, representada por detentores dos meios de produção, também interferem diretamente na saúde pública.
Hoje qualquer tristeza é diagnosticada como depressão "necessitando de uma maior interferência médica e medicamentos específicos.Por mais absurdo que possa parecer a grande maioria dos médicos desconhecem quando há real necessidade de anti-depressivos. Por outro lado o próprio paciente quer ser diagnosticado como depressivo. A vulgarização da doença e a promessa de uma pílula da felicidade, a possibilidade de não mais sentir tristeza, tudo contribuiu para o aumento do número de depressivos no Brasil.
Não há dúvida que a depressão existe e aumenta, mas o diagnóstico é muito maior do que a realidade.
A tristeza pode até durar alguns dias, alguns meses em certos casos, mas vai diminuindo e passa. A depressão é mais profunda, o doente não reage no decorrer do tempo, pelo contrário, piora e somente com a intervenção de medicamentos e acompanhamento médico é que se obtém a melhora. Um é diferente do outro. Correndo por fora há os laboratórios farmacêuticos que proporcionam muitos benefícios aos médicos. Pagam passagens, almoço, brindes, big cestas de fim de ano e o médico, meio que sem querer querendo, começa a fazer o jogo receitando o que eles querem. O suborno é subliminar. Assim se o paciente chega ao consultório se queixando de insônia, o médico que deveria indicar métodos alternativos de relaxamento, acaba por receitar um medicamento. É mais fácil tanto para o médico quanto para o paciente. "Os psiquiatras, completamente aptos a ministrarem tal medicamento são os que menos prescrevem.  Eles buscam a causa original da tristeza, que nos casos de verdadeira depressão geralmente têm raízes na infância. Mas mexer na infância é muito doloroso. Não têm remédio para isso. Precisa de terapia, de análise, mas as pessoas não querem fazer, não querem mexer nas feridas" (Miguel Chalub - Psiquiatra Prof. UFRJ e UERJ).
O desamparo e isolamento crescente e muito rápido é resultado da dinâmica do cotidiano e a falta de tempo para adaptação do novo.  
O que fazer, jogar tudo pro alto e ir morar na Jamaica queimando erva o dia todo? Não. É aprender a lidar com sentimentos ruins também. São inerentes à condição humana. É aprender a enfrentar os problemas ciente de que vai passar.
Nas asas do tempo, a tristeza voa. (Jean de La Fontaine)


  

11 de jun. de 2010

Fabliaux - Literatura como narrativa do cotidiano


Para um historiador qualquer fonte de pesquisa pode trazer à luz fatos, muitas vezes tido como corriqueiro, mas com grande potencial para uma narrativa cotidiana.
Os fabliaux foram redigidos entre os séculos XIII e XIV, período em que nasce a literatura de narrativa curta, tratando-se de estórias cotidianas que traziam, em seu conteúdo a causa e a conseqüência, um exemplo a seguir, uma moral da história para instruir e divertir.
Nas estórias ocorriam situações próximas das reais, e este era o grande atrativo dos fabliaux, assim, durante a leitura é possível identificar aspectos da mentalidade e dos costumes do momento, sendo as estórias provavelmente contadas em ambientes domésticos ou públicos, sugerem que tanto a linguagem quanto as situações eram naturalmente aceitas.
A igreja pregava regras de conduta de como deveria ser a relação dos corpos, masculino e feminino, insinuando que a mulher se difere do homem em seu poder de sedução, assim deveria ser controlada e educada para subserviência masculina, detentora da ordem social.
Porém os fabliaux nos mostram que na intimidade a mulher era muito mais atuante e dissimulada, como na estória em que a donzela engana o pai, fingindo odiar homens e engana o jovem servo se fingindo de donzela, mas seduzindo o mesmo.
Um relato verdadeiro foi transcrito pelo futuro Papa Bento XII de uma camponesa de vinte e dois anos que confessa, provavelmente sob pressão, suas relações extraconjugais, consentidas pelo marido, com um padre primo de sua mãe. Para a camponesa não era pecado porque tanto ela quanto o padre queriam.
Fato é que a grande maioria das mulheres eram castigadas e maltratadas pelos maridos. A recomendação se fazia quanto à cura das chagas abertas.
Um exemplo se dá em um fabliaux com relação à violência sofrida pela mulher: A esposa, por prazer, contra diz as ordens do marido e este ”...com bastão de espinhos castigou-a tanto que quase a matou. Ela ficou deitada por mais de três meses sem poder sentar a mesa. E lá o conde a fez sarar”.


A donzela que não podia ouvir falar de foder


Era uma vez uma donzela muito orgulhosa e rebelde. Se ela ouvisse alguém “falar de foder” ou algo semelhante, ficava com um ar muito ofendido. Ela era a única filha de um bom homem, um rico camponês que não tinha nenhum servo em sua casa porque a moça não suportava ouvir esse tipo de conversa típica de servos. Ela “...nunca poderia suportar / que um servo falasse de foder / de caralho, colhões ou coisa semelhante” (Fabliaux, 1997: 63).
Um belo dia, um jovem velhaco de nome David chegou àquela aldeia e ouviu falar da filha que odiava os homens. Decidiu então conferir a curiosa estória, oferecendo seus préstimos: disse que sabia lavrar, semear, debulhar o trigo e peneirar. O camponês agradeceu, mas respondeu que tinha uma filha que sentia tanta náusea das coisas obscenas que os homens conversam que não poderia aceitar sua oferta. David fingiu ser um homem temente a Deus e clamou pelo Espírito Santo. Ao ouvir suas palavras, a filha do rico camponês pediu ao pai que contratasse o rapaz, pois ele compartilhava suas idéias.
Houve então uma grande festa para comemorar a contratação do “servo beato”. Quando chegou a hora de dormir, o bronco camponês perguntou à filha onde David descansaria: “Senhor, se isso vos agrada / ele pode dormir comigo / ele parece ser de confiança / e ter estado em casas nobres” (Fabliaux, 1997: 67).
O ingênuo pai concordou. A donzela era muito graciosa e bela, e o servo, matreiro, logo colocou sua mão direita nos alvos seios da moça, depois em seu ventre e seu sexo, sempre perguntando à donzela o que era aquilo que tocava: “David desceu a mão / direto à fenda, sob o ventre / onde o pau entra no corpo / e sentiu os pêlos que despontavam / ainda macios e suaves (...)”. E perguntou:
Por boa fé, senhora, disse David (...)
o que é isto no meio do prado
esta fossa suave e plena?
Disse ela: é a minha fonte
que ainda não brotou.
E o que é isto aqui ao lado /
disse David, nesta guarita?
É o tocador de trompa que a guarda
responde a jovem, verdadeiramente
se um bicho entrasse no meu prado
para beber na fonte clara
o vigia tocava logo o corno
para lhe fazer vergonha e medo. (
Fabliaux, 1997: 68)
A seguir, a jovem virgem decidiu ousar e passou a tomar a iniciativa, apalpando igualmente o servo beato. O poema compara o pênis a um potro e os testículos a dois marechais. A donzela pede então que o belo potro do jovem paste em seu prado. David teme que o “tocador de trompa” da moça – provavelmente uma metáfora ao clitóris feminino – faça barulho, isto é, que a jovem grite de dor e prazer. Ela responde: “Se ele disser mal / batê-lo-ão os marechais. / David responde: Muito bem dito.”
E assim a jovem virgem e falsa pudica “foi derrubada quatro vezes”, “...e se o tocador de corno troou / foi batido pelos dois gêmeos / Com esta palavra termina o fabliau.” (Fabliaux, 1997: 70)


3 de jun. de 2010

Desumanização tecnológica

Há algum tempo venho observando o movimento frenético do mundo. São países tratando com outros países de maneira muito cuidadosa para não haver palavras ou mal entendidos que possam prejudicar o livre comércio globalizado, intermediários (como a ONU), cuidando para que todos permaneçam em paz, uma busca alucinada em somar capital ($) e se manter ou obter poder, manipulação das verdades e uma crescente população cada vez mais passível de convencimento, seguindo calada. 

O capitalismo necessita de renovação constante, novos produtos que seduzam o consumidor fazendo com que este se sinta o último dos mortais por ainda não possuir o produto novo. Este mecanismo necessita de muita mão-de-obra e novas tecnologias que tragam maior rapidez e "vantagens" para o consumidor.

Durante muitos anos buscava-se trabalhadores para fábricas, dispostos a ficar horas repetindo o mesmo movimento em máquinas capazes de produzir centenas de produtos iguais em uma única tarde. As máquinas também evoluíram e necessitaram de mão-de-obra especializada para operá-las, mas para isso o domínio da matemática é fundamental. 
Atualmente, nas redes públicas, o professor de matemática é o mais pressionado a apresentar um bom desenvolvimento nas provas do ENEM. Constataram (e descobriram a pólvora) que o método de ensino de matemática não está funcionando. Ora, não funciona a muito tempo, não havia investimento nem interesse econômico para que funcionasse, estava ali, na grade de aulas, nada mais.

Durante a era Vargas, o caráter doutrinário que o momento exigia, fazia com que as aulas de história fossem muito valorizadas, hoje, por determinação da LDB (Leis de Diretrizes e Bases), o aluno poderá escolher, no ensino médio, o curso que quer fazer. Não sou contra, de maneira nenhuma, que haja melhora para o entendimento da matemática ou qualquer outra disciplina de exatas, o que me chamou atenção é o fato de a área de humana estar sendo posta de lado dando lugar a humanos robotizados, técnicos concentrados em seus números e soluções, e cada vez menos social. 

Buscando a globalização as pessoas se individualizam. Estranho isso

Tive essa percepção quando assistia ao economista Carlos Alberto Sardenberg afirmar que um número muito maior de estudantes, comparados ao Brasil, buscavam a área de exatas, portanto, maior significado para o PIB nacional.
Como querer a globalização sem entender outras culturas ? Como abandonar a filosofia, a antropologia, a história , a arte para compreender o outro, respeitar sua forma de pensar, de agir, como conhecer uma Guerra, suas razões e consequências? Governos populistas, fascistas,   ditadores, como ?
Há uma dicotomia entre "todos nós" e "só nós", entre o mundo todo e nossa cultura, pois, ao mesmo tempo que se tem curiosidade e desejo de se relacionar com o outro há um receio da homogenização, daí a xenofobia. 

A violência, as fobias tão presentes atualmente, intolerância são reflexos do homem contemporâneo. O homem não está feliz.

A suspensão progressiva e silenciosa da área de humanas no ensino público pode realmente ser perigosa a longo prazo, mas há uma luz no fim do túnel; 

Do Portal Aprendiz: A Comissão de Educação e Cultura aprovou no último dia 28 o Projeto de Lei 4651/09, do deputado Gilmar Machado (PT-MG), que torna obrigatório o ensino de História em todas as séries do ensino médio. A proposta, que altera a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), estabelece ainda que o ensino de História do Brasil levará em conta as contribuições das diferentes culturas e etnias que foram o povo brasileiro.

A História esclarece muitas coisas e alerta para muitas outras. Talvez um dos últimos espelhos para o homem se ver como humano.


Manda quem pode. Obedece (ou não) quem tem juízo.

Filme que mostra chacina de mendigos é boicotado pela crítica.
por Fausto Barreira
Baseado em fatos reais, o filme desvenda um fato pouco conhecido: a “Operação mata-mendigos”, que ocorreu no RJ entre 1962 e 1963. O filme, muito atual, mostra o governo, a imprensa e interesses imobiliários por trás dos assassinatos dos moradores de rua. Como se vê, a política de “higienização” das grandes cidades é antiga.
Assisti numa sala pequena, no único horário da tarde, ao filme “Topografia de um Desnudo”. O filme dirigido por Teresa Aguiar baseia-se numa peça de teatro do chileno Jorge Díaz e não teve nenhuma menção de críticos na grande imprensa. Trata-se da adaptação de uma peça de teatro e versa sobre o massacre de moradores de rua no governo de Carlos Lacerda (um dos líderes civis do golpe de 1964) entre os anos de 1962 e 1963.
Teresa Aguiar é diretora de teatro em Campinas. No final da década de 1970, assistiu a uma peça, em um festival universitário da Colômbia. Há vinte anos ela resolveu transformar a ideia da peça em um projeto de cinema e hoje, aos quase setenta anos, apresenta seu primeiro longa metragem: “Topografia de um Desnudo”.
Rio de Janeiro, anos 1960. A cidade se prepara para receber a visita da rainha Elizabeth. Num clima de tensão social e política que antecede o golpe militar, uma jornalista investiga a morte de moradores de rua e se envolve num perigoso jogo de interesses. Baseado em fatos reais, desvenda um lado pouco conhecido da História: a “Operação mata-mendigos” que ocorreu no Rio de Janeiro entre 1962 e 1963 e um dos motivos era a necessidade de “limpar” a cidade para a visita da rainha.
No filme, a diretora expõe o intrincado jogo do governo do estado da Guanabara, de setores da imprensa e de especuladores imobiliários interessados em um grande empreendimento num lixão onde habitavam moradores de rua. Intercalando cenas realistas com imagens oníricas, Teresa Aguiar conseguiu criar um painel convincente das articulações e dos crimes da elite carioca, ao mesmo tempo em que soube dar muita humanidade aos personagens dos moradores de rua.
Com atores importantes como Lima Duarte, Gracindo Júnior e José de Abreu o filme foi massacrado. Segundo um dos poucos espectadores presentes na plateia, o qual participou das filmagens há alguns anos, o filme, nessa época, já estava sendo feito há dez anos e não conseguia nenhum patrocínio, apesar de ter sido aprovado pela Lei Rouanet. Vê-se por aí como funciona a censura do capital.
O filme é atualíssimo, pois mostra a gênese dos programas de “higienização” das grandes cidades brasileiras, que têm como expoentes Gilberto Kassab em São Paulo e Eduardo Paes no Rio de Janeiro, nos quais as populações pobres são expulsas de locais que interessam aos planos de “revitalização”, ou seja, à especulação imobiliária.
Sabe-se também que por trás do mensalão do DEM do Distrito Federal está o vice-governador, Paulo Otávio, dono do jornal Correio Brasiliense e da maior construtora de Brasília.
Pode-se assistir ao trailler do filme no YouTube.