5 de jan. de 2010

Os Romanov e a Grã -Duquesa

Durante os anos de 1904 e 1905 a Rússsia travou uma guerra com o Japão, disputando os territórios da Mandchúria e Coréia. Este conflito encerrou com uma vergonhosa derrota para os russos, afetando grandemente a economia do país e causando graves instabilidades políticas. Não obstante, em 1914 o Czar Nicolau II precipitou a Rússia num novo conflito de proporções ainda maiores, a Primeira Guerra Mundial. Nesta guerra, a Rússia também sofreu pesadas derrotas frente a Alemanha, ocasionando uma crise de abastecimento e intensificando as convulsões políticas internas.
Em 1917, Nicolau II tomou sua última decisão errada! Durante uma greve em Petrogrado, então capital do país (depois Leningrado e atual São Petersburgo), o Czar ordenou que os militares atirassem contra os manifestantes, ocasionando cerca de 1500 mortos e 6000 feridos. O turbilhonamento popular proporcionou o desencadear da chamada Revolução de Fevereiro (março pelo calendário gregoriano), com a abdicação do Czar no dia 15 de março. Iniciava-se o Governo Provisório na Rússia.

A família real Romanov, representada pelo Czar Nicolau II, a Czarina Alexandra e seus cinco filhos – Olga, Maria, Tatiana, Anastasia e Alexander – foi encarcerada no palácio Tsarkoe Selo, nos arredores de Petrogrado.
O novo regime vivia sob o medo constante de um movimento reacionário libertar a família real e restaurar o regime anterior, por isso, em agosto de 1917, transferiu os Romanov para Tobolsk, na remota Sibéria. Neste local a possibilidade de monarquistas tentarem uma libertação se afigurava mais remota e tranquilizava o Governo Provisório.
Neste momento a Rússia estava muito longe de ser pacificada. Com a ajuda dos alemães, Vladimir Lênin retornou de seu exílio e passou a liderar o movimento bolchevique que culminou com uma nova revolução, a chamada Revolução de Outubro (novembro de 1917, pelo calendário ocidental), que derrubou o Governo Provisório e instituiu o Governo Socialista Soviético.
A política mudou e os Romanov também. Com o novo governo, em princípio de 1918, os Romanov foram transferidos para os Urais e alojados numa casa na pequena cidade de Ekaterinburg.

A família era mantida sob máxima vigilância e vivia reclusa, servida por apenas alguns empregados fiéis e o médico da família.

Em julho de 1818, sob o temor de o Exército Branco tentar a libertação da família e restaurar a monaquia, o Governo Bolchevique anunciou que o Czar Nicolau II fora executado e que a Czarina e seus filhos haviam sido poupados e levados para um local secreto. Por algumas vezes o Governo Bolchevique alterou a declaração inicial, prevalecendo que toda a família havia sido executada, quebrando, assim, a dinastia russa em prol dos soviets.

A confusa declaração do governo causou várias dúvidas e especulações. Teria sido apenas Nicolau II executado? Teria sido toda a família? Ou todos estariam a salvo num exílio secreto?
A falta de informação sobre a Família Real Russa permaneceria por muitos anos, prevalescendo a idéia de que todos haviam sido executados. No entanto, a enorme fortuna dos Romanov fertilizava a imaginação de muitas pessoas.

Em 1961, um polonês desertor, Nicolau Goleniewski afirmou, nos Estados Unidos, que era o filho Alexandre (o mais novo) de Nicolau II. No seu casamento, em Nova Iorque, duas mulheres assinaram com os nomes de Olga e Tatiana, dizendo-se irmãs do suposto herdeiro do Trono Russo. Muitos outros Alexanders, Olgas, Tatianas, Marias e Anastasias apareceram, mas um caso, envolvendo a possível grã-duquesa Anastasia, realmente inflamou, desde cedo, o mistério dos Romanov.

EU SOU ANASTASIA!
No dia 27 de fevereiro de 1920, apenas um ano e meio após a suposta execução dos Romanov, uma adolescente foi retirada semi-inconsciente de um canal em Berlim.
A moça foi levada para um hospício, onde normalmente eram levados aqueles que tentavam suicídio. Ela não portava documentos, contudo informou, ainda um tanto inconsciente, que seu nome era Anna Tschaikosvski.
Ao recobrar totalmente a consciência, no hospital, reivindicou sua identidade verdadeira como a grã-duquesa Anastasia, herdeira do trono russo! Poderia ser apenas mais uma jovem reivindicando seu sonho de princesa, caso o seu relato não fosse tão circunstanciado e apresentado uma série de provas que pareceu, para muitos, não deixar dúvidas.
A jovem narrou que estava com toda a família em Ekaterinburg quando em um dia de julho de 1917, todos foram levados para a adega da casa, juntamente com o médico da família Dr. Eugene Botkin e mais três criados. Cercados por um pelotão de fuzilamento, todos receberam diversos disparos e teriam caídos mortos.
Dois soldados (irmãos Tschaikovski), ao retirar os corpos, perceberam que a jovem ainda respirava. Não satisfeitos com o Exército Vermelho, os dois irmãos resolveram cuidar de Anastasia, desertando e fugindo, em seguida, para a Romênia. Na fuga foram acompanhados por duas outras mulheres.
Com o dinheiro proveniente da venda de um colar de pérolas e esmeraldas que a grã-duquesa trazia costurado ao vestido, conseguiram chegar a Bucareste, onde passou a viver como parente dos rapazes.
Anastasia teria se casado com um dos irmãos Tschaikovski e tido um filho. Em dado momento, seu marido foi reconhecido por bolcheviques e assassinado. Anastasia teve um colapso nervoso e seu filho entregue para adoção. Seu cunhado, Serguei Tschaikovski, resolveu ir para Berlim para ficar livre dos bolcheviques, levando Anastasia consigo. Porém, no mesmo dia em que chegaram a Berlim, Serguei desapareceu.
Desesperada, a jovem resolveu pôr fim a própria vida lançando-se nas águas do Landwehrkanal.
Para a jovem sem-identidade, o Governo Alemão, cautelosamente, forneceu-lhe documentos com o nome Anna Anderson.
Bem, a estória facilmente poderia cair em descrédito se não fossem as várias provas apresentadas. A primeira, certamente é a aparência física, pois a jovem era muito parecida com as fotos que haviam da grã-duquesa.
Ao ser examinados os pés da moça, percebeu-se que os joanetes dos seus dedos encontravam-se exatamente como descritos em relatórios médicos sobre a filha do Czar. Cicatrizes pelo corpo deixavam claro que sofrera grave atentado a tiros. Submetida a exames, radiografias de sua cabeça revelavam sérias lesões que poderiam ser decorrentes de agressões com a coronha de uma espingarda.
Uma pequena cicatriz no dedo médio da sua mão esquerda foi justificada pela jovem como o descuido de um lacaio ao fechar a porta de uma carruagem, quando a grã-duquesa ainda era criança. Parentes dos Romanov negaram que tal fato tivesse acontecido, contudo uma antiga serviçal da Família Real confirmou o fato.
Os membros vivos da família Romanov ficaram divididos quanto as declarações de Anna Anderson, alguns estavam realmente convencidos que ela era realmente Anastacia. Por exemplo, o grão-duque André, primo do Czar, aceitou-a e afirmou: "É, sem dúvida, a grã-duquesa!" Por outro lado a princesa Irene da Prússia, irmã da Czarina, ao vê-la, negou que fosse Anastasia, contudo não a via há mais de dez anos.
Em 1927, uma investigação particular financiada pelo irmão da Czarina, Ernest Luis, grão-duque de Hesse, apontou Anna Anderson como Franziska Schanzkowska, uma operária de uma fábrica polonesa de fogos de artifício. No entanto, os indícios apresentados não eram capazes de excluir a hipótese de Anna ser realmente a grã-duquesa.
Anna Anderson revelou que o irmão de André, o grão-duque Cirilo, havia viajado da Alemanha para a Rússia secretamente em 1916 quando os dois países estavam em guerra. Cirilo negou que o fato tenha ocorrido e acusou-a de ser uma embusteira. Contudo, em 1949, um comandante de um regimento na Guerra Russa, coronel Larski, declarou sob juramento, que a declaração de Anna Anderson era verdadeira e que o grão-duque Cirilo havia realmente empreendido tal viagem. No ano de 1933 o Tribunal de Berlim concedeu o direito de herança das propriedades do Czar Nicolau II a seis parentes vivos do mesmo; considerou que Anastasia estava morta. Em 1938, os advogados de Anna Anderson entraram com uma ação para anular a decisão de 1933, contudo, no ano seguinte, veio a II Guerra Mundial e a ação nunca foi apreciada.
Depois de décadas, a justiça alemã nada concluíra sobre o caso.
Sem poder afirmar que Anna Anderson era ou não Anastasia, uma corte de Hamburgo decidiu contra a pretensa Anastasia, em maio de 1968. Contudo as especulações continuaram.
Entre 1922 e 1968, Anna Anderson viveu entre os Estados Unidos e a Alemanha, bancada por sua notoriedade e vivendo em sanatórios ou asilos, até imigrar definitivamente para os EEUU (1968) onde se casou com Jack Manahan. Figura um tanto excêntrica que já se autodenominava futuro grão-duque do Império Russo.
Anna Anderson morreu em 1984 sem nunca conseguir provar que era realmente a grã-duquesa russa. Seu corpo foi cremado, contudo alguns restos mortais foram preservados (cabelos e partes do intestino) para futuros testes. Na sua lápide consta o nome Anastasia Manahan . . .



O MISTÉRIO SE COMPLICA
Durante a década de 70, um geólogo russo, Dr. Alexander Avdonin, baseado nos relatos de Yurovski (homem que comandou a chacina dos Romanov em Ekaterinburg) e cujo diário se encontrava com seu filho, foi capaz de encontrar a cova onde estavam os restos mortais da família Romanov e de alguns criados.
Como neste período ainda era crime sequer falar em Família Real na União Soviética, Avdonin e um pequeno grupo de amigos mantiveram em segredo o local da cova.
Em 1991 o regime da União Soviética ruiu de vez.
Com a mudança de governo, os Romanov "mudaram" novamente. Alexander Avdonin indicou o local da cova e foram retirados um total de nove corpos.
Os exames de DNA foram realizados nos Estados Unidos pelo Dr. Peter Gill do Forensic Science Service (FSS) e Dr. Pavel Ivanov, um geneticista russo. Os teste de DNA Nuclear revelaram que quatro corpos não pertenciam aos Romanov (o do médico e de três criados) e cinco pertenciam a família. Pelas idades e características, definiram serem: O Czar Nicolau II, a Czarina Alexandra e as filhas Maria, Olga e Tatiana.
Segundo a declaração da Dra. Ludmilla Karyakova, professora de arqueologia da Universidade do Estado de Ural e supervisora das escavações, os corpos desenterrados traziam terríveis marcas de violência e maltrato. Algumas das vítimas receberam disparos já caídas ao chão, seus rostos foram desfigurados, possivelmente a golpes de coronha e, ainda, sofreram ação de ácidos derramados a fim de esconder-lhes a real identidade.
A ausência dos corpos do pequeno Alexandre e de Anastasia aguçou a imaginação de muitos. Teriam sido poupados os dois menores? Teriam sobrevivido momentaneamente e enterrados posteriormente em outra cova? Anastasia estaria mesmo viva? Ou teria vivido seus últimos anos nos Estados Unidos?
FIM DO MISTÉRIO
Mais alguns anos se passaram sem respostas, contudo dez anos após a morte de Anna Anderson, exames de DNA mostraram que realmente Anna Anderson não pertencia a família Romanov. Por outro lado, seu código genético batia com de Karl Maucher, sobrinho-neto de Franziska Schanzkowska. A hipótese mais aceita pelos historiadores é que Anna, na verdade, era realmente Franziska Schanzkowska, uma camponesa polonesa que trabalhava numa fábrica de fogos de artifícios que teria explodido e causando-lhe as cicatrizes e lesões, por muitos, atibuídas à possível tentativa de fuzilamento. Mas o que teria aconteceu com a verdadeira Anastasia e seu irmão?
No verão de 2007, um grupo de arqueólogos amadores encontrou alguns fragmentos de ossos a apenas 70 metros da cova onde estavam os restos mortais retirados em 1991. Seguiu-se uma escavação oficial, conduzida pelo vice-diretor do Instituto Arqueológico da Região de Sverdlovk, Dr. Serguei Pogorelov, sendo encontrados 44 fragmentos de ossos e dentes.
No final de 2007 os restos mortais foram levados para exames realizados por antropólogos americanos e russos e testes de DNA Mitocondrial realizados em dois laboratórios distintos, Armed Forces DNA Identification Laboratory (AFDIL, Rockville, Maryland, USA) e Institute for Legal Medicine (GMI, Innbruck, Austria).
Em 2008 anunciou-se as conclusões e fim do mistério dos Romanov. Os dois últimos corpos encontrados eram realmente de Anastasia e Alexander. Toda a Família Real Russa, mais o médico da família e três criados foram brutalmente assassinados a tiros na adega da casa de Ekaterinburg em julho de 1917.
ANASTASIA NO CINEMA
A polêmica levantada por Anna Anderson levou a 20th Century Fox a produzir um longa-metragem intitulado “Anastasia”. A trama era baseada na dúvida levantada sobre a possibilidade de Anastasia estar viva. Contudo o enredo do filme baseava-se num golpe de um grupo de russos expatriados, cujo líder (Yul Brynner) tenta convencer uma jovem confusa (Ingrid Bergman), nos anos 20 na França, a se passar pela grã-duquesa. O objetivo logicamente seria por as mão na fortuna dos Romanov.
Em 1997 a 20th Century Fox volta ao mesmo tema com o desenho animado “Anastásia”. Desta vez com mais ousadia, cria o enredo da menina grã-duquesa Anastásia que foge com a avó antes de serem mortas pela turba bolchevique enfurecida. Por meio de uma passagem secreta no palácio, escapam e tentam pegar um trem, contudo a jovem se perde da avó e, ao chegar na estação com o trem já em movimento, tenta alcançá-lo, mas cai batendo a cabeça e perdendo a memória. A menina vai parar num orfanato, onde vive até os 18 anos. Ao sair do orfanato volta para São Petersburgo, onde conhece dois jovens, Dimitri e Vladimir. Estes dois intencionam levar uma impostora para Paris a fim de receber a recompensa da avó de Anastásia, que sabe que ela está viva. No desenrolar da trama, quando a jovem e Dimitri já se encontram apaixonados, este descobre que a jovem é realmente a verdadeira herdeira do trono russo. A partir de então enfrentam alguns problemas para convencer a avó de que ela é a verdadeira Anastasia e, depois, enfrentam o vilão Rasputin, que quer acabar com a descendência dos Romanov.

Marco Túlio Freire Baptista

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