9 de mar. de 2011

Escravidão, difícil digestão



Dando continuidade ao post anterior, fazendo uma análise histórica, este volta-se para a escravidão e o tráfico de escravos em solo brasileiro.

Quando chegaram os portugueses com a frota de Pedro Álvares Cabral, depararam-se com uma imensidão de terras, tantas que se perdia de vista. Os habitantes, índios, os receberam com total confiança. Simplesmente entraram na embarcação e deitaram no convés, cuidando apenas de não amassar as penas que enfeitavam seus corpos. Esta confiança foi um grande engano.

Apesar da imensidão de terras, nada de muito valor foi encontrado, a não ser o Pau- Brasil, árvore onde se extrai a tintas vermelha, muito usada na Europa. Os portugueses iniciam o processo de escravidão do índio com intuito de extrair mais árvores, uma vez que essas nascem em lugares diversos e só moradores da floresta podiam conhecer seus caminhos.

Os índios viviam num sistema de socialismo primitivo, onde o alimento preparado na hora serviria para todo o grupo. As mulheres se encarregavam de preparar o alimento, principalmente farinha de mandioca e todas da tribo cuidavam das crianças da tribo. Os homens caçavam animais na floresta ou peixes nos rios, tinham uma  cultura própria, completamente diferente dos europeus. Aquela imposição ao trabalho forçado e acumulativo era uma grande incoerência, na visão indígena. Não compreendiam o motivo da acumulação de produtos, seja da floresta, seja de animais, não compreendiam a causa de um homem ter que trabalhar para outro homem, ou mulher. Que cultura "civilizada" era aquela?

Não é possível descolar os fatos do contexto histórico do momento, neste período acontecia a consolidação do Cristianismo pelo mundo, tanto que uma das primeiras providências chegando em terras novas, era rezar uma missa. Os Jesuítas eram os encarregados de arrebanhar novos fiéis. Suplantando por completo uma cultura milenar, os índios pouco a pouco foram sendo batizados e inseridos às regras da nova fé cristã.

Fazendo apenas um paralelo, por que não consigo ler certas coisas sem me posicionar (talvez um erro, ou não), mas até os dias atuais é possível sentir as atrocidades cometidas com a população indígena. A cultura morreu, acabou, não existe mais, são pouquíssimas tribos no Brasil ainda sem contato com os "povos civilizados". Segundo o Dicionário Priberam da Língua Portuguesa (http://www.priberam.pt/dlpo/default.aspx), civilização significa " o progresso da humanidade em sua evolução social e intelectual". Reflito, evolução baseado em qual paralelo? A civilização em questão acha que domina os Oceanos, tira metais preciosos de outros lugares fora de seu domínio, assassinam em nome de um pensamento aparentemente religioso, ou seria o pensamento que leva ao poder e acumula riquezas? Os índios vivem em perfeita harmonia com a natureza, maior preocupação da atualidade, poucas tribos ainda podem viver em "paz" fugindo constantemente do contato com o branco. Quem é mais civilizado?
Doenças dos povos civilizados, como sarampo, varíola, gripe comum, dizimaram metade da população indígena.

O Pau Brasil era o único item que interessava, porém era muita terra, o que necessitava de muita mão de obra, daí voltou-se o olhar para a África. Na África era comum a venda de escravos capturados durante as lutas entre tribos. Os perdedores eram vendidos por negros de outras tribos. Digamos que Portugal exagerou na quantidade do pedido. Quando uma nova terra era colonizada por Portugal, logo se implantava uma Capitania hereditária com objetivo de controlar e não deixar nenhum outro pais se apoderar das novas terras. Portugal viu na África uma inesgotável fonte de recursos. Saiam de Angola cerca de 400, 500, 600 pessoas amontoadas no convés do temido Navio Negreiro (ui, até me arrepia), onde mais da metade morria durante o transporte.

Era uma viagem de aproximadamente 2 meses, sem água suficiente, sem alimento suficiente, sem lugares apropriados para suas necessidades fisiológicas. Muitos morriam pelo caminho, mães se atiravam ao mar com seus filhos evitando sofrimento maior.
Eram tantas mortes que muitos barcos ficavam abandonados por não haver ninguém para limpar as carniças. Marcados à ferro quente, os escravos eram tratados como cavalos. O açúcar era o produto mais consumido da Europa, além de adoçar, servia para mascarar o sabor da comida (não havia geladeira), e como produto medicinal, assim o surgimento de engenhos e a exportação de açúcar enriquecia e muito os novos usineiros. Ter uma usina de açúcar era equivalente a uma ou duas usinas petrolíferas. Era muito dinheiro. As pessoas que vieram eram em sua maioria jovens aventureiros, pessoas em busca de novidades e um futuro melhor. Pouquissimos vinham com família. As mulheres não vinham, assim, numa sociedade sem leis e sem valores familiares, a violência  sexual com as escravas e índias tornava-se quase inevitável. Aqui não havia a separação de raças como na Europa o racismo científico, os ingleses também fornicavam , porém não assumiam seus filhos, ao contrário dos portugueses que assumiam a paternidade e davam direito de herança a eles. A sociedade, a cultura, o funcionamento do pais, tudo dependia dos escravos, eles eram carpinteiros, comerciantes, eles plantavam , colhiam, sem eles não haveria Brasil.
Evidentemente na crueldade em que viviam, haviam as resistências aos maus tratos. Quando isso acontecia, os escravos eram punidos em praça pública, como forma de exemplo aos que pensassem em se rebelar. Eram palmatórias, chicotadas, argolas no pescoço tudo com requintes de crueldade, colocavam-nos sentados em formigueiros a noite toda, ou amarrados pelos pés e mãos em troncos de madeira.
A escravidão tornou o homem um objeto, que se consome, troca, joga fora, comercializa, simplesmente um objeto. A expectativa de vida de um escravo era de apenas 8 anos. Quando comprava-se um escravo esperava-se que ele trabalhasse apenas um ano. Prejuízo ? Imagina, estes trabalhavam tanto neste ano que sua produção era muito maior que o dinheiro gasto em sua compra. Lembrando que para os portugueses a África era uma inesgotável fonte de recursos, inesgotável.

Em 1690 descobriu-se o ouro e a necessidade de mais escravos. Haviam os escravos tigres, que tinham esse nome por coletarem os excrementos de todos, deixados nas areias, carregando esses cestos na cabeça o líquido com o ácido dos excrementos escorriam por suas faces causando erupções da pele, sendo esses escravos mantidos em calabouços.


A igreja não se voltava contra ninguém, não apoiava a escravidão, porém nada fazia para impedi-la. Justificava dizendo que o importante é a vida no paraíso, que as privações desta vida seriam compensadas após a morte, que na verdade o corpo era escravo, mas a alma era livre.

Os senhores de engenho eram terríveis. Havia o Senhor Cajaíba da região de Santo Amaro que era conhecido por sua maldade. Colocou espelhos em lugares estratégicos de sua fazenda, onde de sua sala podia ver tudo que acontecia ao redor, desde os outros quartos até as terras trabalhadas por escravos na parte externa da casa. Conta-se que numa certa ocasião tendo suas terras visitadas por um amigo, no jantar este amigo elogiou os seios da escrava que os serviu. No final da noite ao se despedir para ir embora para casa, este convidado foi presenteado pelo Sr. Cajaíba, com os seios da escrava servidos numa bandeja.
Os senhores de engenho temiam demais por suas vidas. Era  uma relação tensa, sabiam que podiam ser envenenados ou mortos durante a noite. Temiam também aos rituais religiosos. Os escravos rebelados fugiam para Quilombos, onde o mais famoso foi o de Palmares em Pernambuco, morada de Zumbi dos Palmares.
Conhecendo a floresta como ninguém, os escravos fugidos dificilmente eram capturados, a polícia não tinha preparo pra se embrenhar no mato, daí surge a figura do feitor, negro perseguidor de escravos, conhecedor da floresta como os outros, homem de confiança do dono da fazenda. A Capoeira, como qualquer outra luta, era proibida, porém, foi justificada como dança pra se livrar da proibição. Chegou a ser proibida no Recife e outras regiões, podendo o infrator levar até 25 chibatadas pelo ato. Os rituais religiosos eram muito temido pelos senhores das terras; o canto, a dança, as mulheres dominadas por espíritos ao som dos atabaques, petrificava os patrões de medo. Em 1800 dá-se inicio o plantio do café. Em 1841 um acordo entre Inglaterra, França, Rússia, Prússia e Áustria firmam um acordo para reprimir o tráfico de escravos.

Noutro paralelo pensemos que o capitalismo, neste período, está ganhando força e escravidão não combina com comércio. Quem trabalha ganhando dinheiro têm dinheiro pra gastar, negro, índio, seja o que for. O dono do dinheiro não têm cor, tem valor econômico. Neste pensamento capitalista escravidão não tem espaço.
Sempre naveguei na idéia de que o que muda a sociedade é uma dialética materialista de Marx ou a mudança de pensamentos da Escola dos Annales. Chego a conclusão que um não dissocia do outro. Estendendo o pensamento que apesar de se posicionar contra a escravidão, esses paises e outros tantos consumiam, e muito, açúcar em seu cotidiano. Era a coqueluche do momento. Fica mais ou menos assim: sou contra a forma como trabalha, mesmo assim consumo seu produto induzindo você a produzir mais, de forma errada, mas desde que não falte pra mim. 

Em 1888 a princesa Isabel assina a Lei Áurea. Escravos libertos, sem ter pra onde ir, pois niguém foi ressarcido por anos de trabalho forçado, muito pelo contrário, usados até onde foi conveniente quando não mais serviam foram empurrados para a periferia das cidades (futuras favelas) e tendo seus serviços trocados por mão de obra estrangeira, pois esses eram mais competentes (racismo científico) para as lavouras voltadas à exportação.

Desejo que este triste episódio de nossa história sirva como texto de reflexão que somos frutos de maus tratos, de uma miscigenação forçada e promíscua, onde muitos de nossos antepassados foram mortos de forma brutal e animalesca em nome do crescimento econômico de uma civilização pouco civilizada, que nunca pensou numa Nação, mas sim num imenso fornecedor de matéria prima e humana. A "civilização" européia trouxe doenças, desigualdades, destruições culturais irreversíveis, haja vista os Incas, Astecas e índios de várias tribos brasileiras viciados em álcool. No interior paulista tem reservas indígenas e eles vivem na cidade pedindo para alguém lhes pagar bebidas. Triste demais. Que esta postagem traga a reflexão que nós, afro-descendentes temos obrigação moral de conquistar nosso lugar ao sol, sem ter pena de si mesmo, mas olhando o futuro com objetivo, coragem e a certeza de que "sim, nós podemos". Consciência do que fomos e do que podemos ser.
Yes, we can! 

4 comentários:

Unknown disse...

Pois é, muita gente se esquece desses detalhes, só ligam para o fato da discriminação e sem ir a fundo desde o início da historia das Américas. Gostei.
Abraço

Ana Paula disse...

Lucidreira, volte sempre.

Unknown disse...

Menina arrasou!!!
Gostei muito da perspectiva que vc seguiu nessa postagem.
Acho que muitos brasileiros e negros inclusive não fazem questão de lembrar o que ocorreu na história com nossos antepassados, acredito que a consciência e atitude de muitos seria diferente se tomassem o poder, o conhecimento desse e de muitos outros fatos. Porque aqui foi colocada a visão inicial, mais depois disso muito ainda aconteceu para que pudéssemos estar como hoje livres, andando nos transportes e locais públicos sem distinção (alguns ainda conseguem ter preconceito nestes locais) mais a ação dos mesmo hoje é muito diferente, não somos mais presos somente por querer pagar para jantar em algum restaurante. É satisfatório, porém ainda não é o IDEAL que precisamos conquistar!!!
Poder ao Povo (como disse Malcom X)

Bjux da Negra amiga do Julio e da Paulinha, lembra-se?

Ana Paula disse...

Obrigada, voltem sempre!